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Evocar Amândio de Sousa

Amândio de Sousa continua entre nós, os mais atentos, os que se deixaram seduzir pela sua escultura

Cinco anos passaram desde a data em que as portas da antiga sede da Delegação dos Arquitectos da Madeira se abriram para acolher a exposição “Derivações” de Amândio de Sousa. Acreditei, então, que poderíamos contribuir para reparar uma injustiça: exceptuando a magnífica Trilogia dos Poderes, no pequeno largo que ladeia a Assembleia Legislativa, poucas eram as obras do escultor no espaço público do Funchal. Amândio de Sousa apresentou-nos um extraordinário conjunto de peças, qualquer uma delas capaz de assumir a escala própria da grande arte urbana, como bem demonstrou o arquitecto Duarte Caldeira nas fotomontagens expostas. Foi, pois, com satisfação que, no ano passado, vi erguer-se uma das suas peças à entrada do Porto do Funchal.

A exposição na Ordem dos Arquitectos tinha, também, outro objectivo: explicar àqueles que nos acusavam de só expor artistas, que entre estes e os arquitectos pode estabelecer-se uma estreita relação de colaboração, senão mesmo de cumplicidade. Amândio de Sousa, como tantos outros da sua geração, era um bom exemplos dessa relação, nascida com o próprio Movimento Moderno e largamente debatida nos famosos CIAM (Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna) na primeira metade do século passado. Em Portugal foram, aliás, frequentes e profícuos os debates publicados na “revista Arquitectura”, a mais influente publicação do gênero no Portugal do séc. XX”. Nela polemizaram entre si consagrados artistas e arquitectos: Júlio Pomar, Skapinakis, Leopoldo de Almeida, Frederico George, Victor Pala. Hoje, desafortunadamente, esta tradição perdeu-se, dando lugar, por vezes, à vacuidade oca do discurso do arquitecto-artista, incapaz de delimitar as fronteiras do seu ofício.

Amândio de Sousa colaborou activamente com alguns dos melhores arquitectos que actuaram na Madeira na segunda metade do século XX: com Chorão Ramalho na concepção do belíssimo sacrário da igreja do Imaculado Coração de Maria, ou na Caixa de Previdência do Funchal (actual edifício da Segurança Social) onde é da sua autoria um baixo relevo em betão moldado; com Marcelo Costa na Igreja do Carmo, em Câmara de Lobos, ou desenhando alguns dos pormenores em carpintaria e mobiliário para a casa do Dr. Simeão Sousa e Freitas; com Luiz da Conceição Teixeira na Clínica de Santa Catarina (actual Hospital da Luz); com Rui Goes Ferreira com quem viria a abrir a Galeria de Artes Decorativas Tempo; ou ainda com Adolfo Brazão Vieira nos painéis de azulejo da Escola Básica de S. Martinho.

Recordo com saudade as conversas que tivemos, a educada e afável serenidade com falava dos seus projectos. Recordo, em contraluz, a sua figura esguia e frágil na antiga sede da Ordem dos Arquitectos, que passou a frequentar com assiduidade enquanto a exposição durou. Amândio de Sousa continua entre nós, os mais atentos, os que se deixaram seduzir pela sua escultura. Nos reflexos e nas sombras que os metais projectam, enquanto o sol brilhar no céu da nossa ilha, continuaremos a conviver com ele.