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“O senhor-chulipa e o senhor cidadão”

Muitas leituras inspiram-nos no dia-a-dia. Outras ajudam-nos a reagir em conformidade, e a depositar outros argumentos para que o debate se manifeste.

Recentemente o JM publicou um texto de opinião versando o “sr. Chulipa” que não, obstante algumas passagens concordantes, omite escandalosamente as opções políticas de um passado recente. O tal passado que o “alzheimer histórico” tenta esconder debaixo do tapete branqueador, e que foi altamente demolidor sobre a débil economia e sociedades regionais.

Escreveu Pessoa, em 1926, que o “mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou”. A história do “senhor chulipa” deste artigo é mais ou menos isso. Ajuda a compreender que, muito mais que um presidente chulipa, existem milhares e milhares de cidadãos que sentiram e sentem na pele os custos da paranóia do delírio das grandezas.

“O senhor-chulipa”

“Chulipa”, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, pode significar uma pancada dada com o lado exterior do pé.

Quando comecei a jogar futebol no Santa-cruzense utilizei essa técnica iniciática mas tinha, apenas, 12 anos. Em pouco tempo, e com mais idade, comecei a jogar com os dois pés. Não só convinha jogar com a esquerda e com a direita para estar mais tempo em campo, como se assim não fosse arriscaria ficar escravo de apenas um lado parcial do pé.

A pancada de lado do senhor-chulipa teve, com certeza, tiradas significativas mas muitas outras com consequências altamente negativas. Por ter estado inscrito nos “serviços do emprego político” acabou por deixar ao “senhor cidadão” uma dívida de 6 mil milhões de euros. E como em tempos afirmou de patada: ou assinava o PAEF ou era a bancarrota. Infelizmente vieram as duas coisas: o aumento de impostos para o povo e para as empresas e a bancarrota social e económica.

Será que o senhor-chulipa não teve, também, conhecimento direto ou distante daqueles chulipinhas que trabalharam por fora sem passarem recibo, e que escaparam à tributação?

Não terá privado com a sua preferida, a “chulipona” dos negócios da autonomia (com letra minúscula, por respeito ao regime) e com o parasitismo empresarial de três famílias da “casa nostra” que condicionaram o pluralismo empresarial regional?

Para que o patológico “alzheimer histórico” não apague a memória dos velhos tempos, recordemos o que escreveu, Miguel Sousa, ex-governante e histórico do PSD em 2017 neste Diário. Descrevendo os “braços corruptos” do “regime fedorento” (sic) e sobre o mesmíssimo parasitismo social que o senhor-chulipa tanto se indigna na casa dos outros, Miguel Sousa falou para dentro, e refere que “desde os tempos em que ouvi falar de sifões e de sanitas” se falava de um “capataz político, financeiro, sem escrúpulos (…) todos os negócios tinham de ser dele ou pelo menos dez por cento” (sic).

Na sectária descrição do tempo do senhor senhor-chulipa não havia subsidiodependência! Não se injetaram milhões de euros dos contribuintes nas Sociedades de Desenvolvimento e nas Casas do Povo, algumas à sua especial mercê, com nomeados a dedo, tendo em vista a criação de uma rede tentacular de IPSS ‘s para competir anti-democraticamente com os órgãos do poder local.

Não foi no tempo do senhor chulipa que se vendeu a soberania dos aeroportos por 80 milhões deixando a economia e a sociedade à mercê das mais altas taxas aeroportuárias do país?

Não foi no tempo do senhor chulipa que o parlamento regional servia de flor de lapela da autonomia protecionista?

No período do senhor-chulipa criou-se um Estatuto que alimenta, com benesses e mordomias, a aristocracia governante, alimentada por subvenções vitalícias e um regime de incompatibilidades e impedimentos criado à imagem do clientelismo reinante.

No tempo do presidente chulipa o próprio “pessoal do Governo”, como habitualmente se diz por cá, comentava à boca pequena que as contas iriam rebentar. E rebentaram.

O senhor-chulipa pariu uma renovação de chulipinhas e de chulipões. Deixou, no outro canto do pé, milhares e milhares de cidadãos que esperam três, quatro e mais anos por uma cirurgia. Deixou mais de 80 mil madeirenses em risco de pobreza e de exclusão social; e outros milhares em privação material severa.

O tempo do senhor-chulipão não findou, é certo. Basta ver a taxa de IVA da conta de eletricidade e do gás.

O “senhor cidadão”

A vida do senhor cidadão andou para trás no tempo em que os 6 mil milhões foram publicamente descobertos. Foi a crise económica, o desemprego, a emigração forçada e mais pobreza numa Região escravizada durante séculos.Mas desta vez, a escravatura fiscal foi obra de supostos autonomistas autóctones.

Vieram as taxas de IRC e IRS próximas do continente, o fim do diferencial fiscal, o aumento do IVA na Região que ficou a ponto percentual do continente, os planos de ajustamentos municipais pelo excesso de endividamento, o congelamento de salários e as progressões no setor público, o agravamento da derrama regional, o agravamento do ISP em 15% em alternativa à implementação de portagens na via rápida; a redução de despesas com o envio de doentes para o continente e a revogação do regime das ajudas de custo.

O que o senhor-chulipa esquece, ou não quer que seja recordado, é que o senhor cidadão pagou e continua a pagar do seu bolso, o preço para o País, a Região e o município não terem caído em bancarrota.

Foram muitos anos a chulipar…