Crónicas

Boas ideias e líderes, precisam-se!

É a fragilidade das lideranças atuais e a ausência de uma ideia/projeto agregador(a) que mobilize os cidadãos, que não nos permitem olhar (e enfrentar) o futuro com grande esperança

Seja no passado, presente ou até mesmo num hipotético futuro que ainda está por vir, seja nas áreas ou domínios da Política, Economia, Filosofia, História, Arte… mas também na Ciência e Técnica ou até mesmo na Publicidade, uma boa e original ideia é sinónimo de poder, uma potencia/força que revoluciona/transforma o mundo, mas que também o ameaça e destrói e que até nos dispõe a possibilidade de existir “fora” dele, a cerca de 400 quilómetros acima da superfície terrestre, a uma velocidade de 28 mil quilómetros por hora, perfazendo cerca de 16 voltas ao planeta todos os dias, sob temperaturas extremas, entre 130° C e -130° C.

Fernando Pessoa escreve que “as ideias são prodigiosas”; elas são a fonte e a força do progresso, aquilo que põe em marcha os acontecimentos. São geradoras de oportunidades, mas as boas, ‘grandes’, novas, originais, simples e inspiradoras ideias só estão ao alcance de espíritos livres e simultaneamente complexos, isto é, de autênticos génios. Por outras palavras, as ideias têm toda a importância – foram (e são ainda) causadoras de espanto, de pensamentos e interrogações que “ficaram de pé” –, num mundo cada vez mais dessacralizado, mercantilizado, tecnologizado e hoje em nova crise global (sanitária, económica, social, ambiental/climática, mas também no modelo da democracia liberal), contudo, onde as doutas palavras do pedagogo, filósofo e ensaísta espanhol, Miguel de Unamuno, “andam as almas e as ideias procurando-se umas às outras”, são talvez a fórmula certa, inalterável e ininterrupta.

De facto, mesmo os vestígios mais antigos das primeiras civilizações humanas testemunham que tudo nasce/brota das ideias. Elas são o princípio, a origem dos factos (base/alicerce ou fundamento), ‘as raízes’ de toda a criação humana e de um processo de modificação/evolução operado naquela que é a nossa “casa comum”, agora ameaçada pela avassaladora destruição que lhe estamos a causar e que alguns persistem em querer ignorar, tal como ignoram o futuro pelo qual são evidentemente responsáveis.

Só alguém com a inteligência superior de Platão – e com uma experiência de vida entusiasmante, mas traumatizante na política – poderia fazer da(s) Ideia(s) uma ampla, densa e relevante aplicação, refiro-me, claro, à sua Teoria das Formas (e não tanto Teoria das Ideias, como é mais vulgarmente conhecida). Para este eminente filósofo da antiguidade grega, as ideias não são criação da nossa mente, não são o resultado ou produto de um processo mental, não são abstrações de um sujeito que pensa, mas antes “entes”/seres reais, são a essência subsistente, entes que têm realidade própria e que estão subordinados à Ideia Suprema – a Ideia de Bem – independentemente de haver alguém que pense, imagine ou ficcione as ideai (“formas”). Ao contrário do ‘nosso’ mundo que é regido pela impermanência, evanescência e relatividade de todas as coisas, para Platão, o Mundo das Ideias é o mundo real – a única realidade –, incorpóreo, absoluto, mas também incorruptível.

Ora, mais de 2500 anos depois, o desenvolvimento histórico, as variadas peripécias, enfim, todas as vicissitudes pelas quais o criativo conceito de Ideia(s) passou e que naturalmente estão longe do fim – e o seu uso é agora múltiplo e inteiramente contrário ao proposto por Platão, pois vai desde um “modelo” ou projeto, passando por imagem, opinião, inspiração, visão, paradigma, representação mental/intelectual… –, as (boas) ideias continuam a ter supremacia e a dar origem a factos, mas rareiam.

Na atual conjuntura económica, política e social que Portugal e o mundo atravessam, se há ente de que carecemos são boas e novas ideias, aquelas que catalisam/movem a energia de um povo para o fazer crescer com a confiança (e segurança) necessária(s) e assim realizarmos a mudança que é indispensável operar. As boas ideias continuam a fazer a diferença e nós precisamos – sobretudo na política – de mais e melhores ideias, para respondermos à(s) crise(s) do presente e preparar e acelerar o futuro!

Para quem estima a memória, recordo que no final do mês de maio, quando o primeiro-ministro, António Costa, considerou fundamental que o país tinha de dispor de uma “visão estratégica” (ideia), com um horizonte duradouro, que fosse um “guia orientador das políticas públicas e um quadro inspirador dos agentes económicos, da comunidade científica, do setor social e da cidadania”, para recuperar e preparar o país para o pós-pandemia Covid-19, e convidou o cidadão, professor, gestor e poeta, António Costa Silva, para a sua composição, esse mesmo primeiro-ministro atestou, inequívoca e com infelicidade, que quem lidera o poder executivo em Portugal já não tem ideia(s), já não dispõe de uma bússola, um (qualquer) rumo/projeto para o país. Mais: passados 5 meses da apresentação pública dessa “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal – 2020-2030” (21 de julho), os portugueses continuam à espera da implementação dessa ideia concebida por António Costa Silva, dessa orientação para uma nação (e governação) que há muito tempo anda à deriva – descurada por muitos dos atuais e anteriores atores políticos – mas, e porque não temos, no presente, genuínos líderes em Portugal tal como no frágil contexto democrático europeu (e até mundial), António Costa Silva, não se extasiando/iludindo com o poder político ou com o palco mediático (publicamente até já manifestou um “grau de esperança baixo” relativamente à implementação do seu plano), soube responder ao desafio e deu o seu contributo! De acordo com as suas próprias palavras, proferidas numa recente entrevista a um órgão de comunicação audiovisual, o principal problema do país está nas competências institucionais, na qualidade das lideranças – melhor, na falta delas – no calculismo/tacticismo, egoísmo e pragmatismo de uma geração de políticos que governa em função de ciclos eleitorais e só pensa na próxima eleição e não na próxima geração, que decide no imediato para solucionar o aqui e agora, mas que esquece as preocupações do amanhã e as gerações vindouras.

Em suma, é a fragilidade das lideranças atuais (sem grande memória, habilidade, visão estratégica… e que até permitem a emergência de novos populismos ‘ultra’ nacionalistas) e a ausência de uma ideia/projeto agregador(a) que mobilize os cidadãos, que não nos permitem – diante do momento dramático que mais uma vez vivenciamos e das reformas estruturais que inadiavelmente necessitamos – olhar (e enfrentar) o futuro com grande esperança. Numa expressão concisa: boas ideias e líderes (inspiradores, transformadores, carismáticos e visionários), precisam-se!

Boas Festas a todos os colaboradores e leitores do Diário de Notícias da Madeira.

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