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Os cinco objectivos de Portugal, segundo o ministro Santos Silva

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O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, estabelece como meta para a presidência portuguesa da União Europeia (UE) cinco objetivos, dois ligados à questão financeira e os outros à vacinação, aos direitos sociais e às relações internacionais.

Chegar a final de junho com o Quadro Financeiro Plurianual (QFP - o orçamento para 2021-2027 da UE), todos os regulamentos aprovados e os programas de recuperação nacional de cada país lançados são, na perspetiva do ministro, os dois primeiros e fundamentais objetivos.

O orçamento da União, sobre o qual impendia o problema da condicionalidade dos fundos devido à recusa da Hungria e da Polónia em a aceitar, ficou resolvido no último Conselho Europeu, devendo ficar fechado até final do ano com o Parlamento Europeu.

À presidência portuguesa caberá fazer aprovar as regras e gerir o processo de ratificação pelos parlamentos nacionais.

No que diz respeito ao chamado Fundo de Recuperação e Resiliência ("Next Generation EU"), no valor de 750 mil milhões de euros, terá de supervisionar que todos os membros da União entreguem os seus planos de recuperação o mais rapidamente possível, para que sejam negociados com a Comissão Europeia. Portugal entregou o seu a 15 de outubro, o primeiro dia em que era possível fazê-lo.

Depois dessa negociação com a Comissão, cada plano nacional terá de ser aprovado pelo Conselho, sendo que cada Estado pode, se quiser, fazer "uma espécie de apelo" ao Conselho Europeu.

"Nós temos seis meses para isto", destaca o ministro.

Entre os vários programas do QFP previstos para ser lançados durante os seis meses da presidência, refira-se o programa Erasmus (já marcado para Viana do Castelo), o novo Corpo Europeu de Voluntariado, o Horizonte Europa e o Europa Criativa.

O terceiro objetivo da presidência portuguesa é o desafio da vacinação gratuita universal dos europeus contra a covid-19 e da contribuição da Europa para a vacinação universal em todo o mundo, sobre a qual o ministro se diz com um "otimismo moderado, real".

Manifestando a "certeza" de que o processo de vacinação se vai iniciar em janeiro, Santos Silva espera chegar ao fim da presidência "e dizer, não que o processo de vacinação esteja completo em todos os Estados, mas que esteja bem avançado".

Este "será outro evento transformador, haverá um antes e um depois, é um elemento essencial para a recuperação económica e social, nós não [a] asseguramos pondo em perigo as condições de saúde, é o contrário, na medida em que se nós formos eficazes e fortes na resposta à pandemia, nessa medida seremos mais rápidos e mais sólidos na recuperação económica e social", diz.

O impulso, que o ministro gostaria que fosse "definitivo", da realização do chamado Pilar Europeu dos Direitos Sociais, e que terá o seu ponto alto na Cimeira Social, em maio, no Porto é, para Santos Silva, o quarto grande objetivo da presidência.

Neste domínio, que compreende o aprofundamento do modelo social europeu, Portugal propõe-se fazer avançar e/ou instituir temas como a nova "garantia para a infância", a diretiva regulamentar sobre o quadro europeu do salário mínimo, o reforço da garantia jovem, uma nova abordagem política das questões do envelhecimento e, finalmente, a união europeia para a saúde.

O derradeiro desafio português diz respeito à "Europa global", isto é, às relações internacionais.

Neste capítulo, Augusto Santos Silva não esconde que gostaria de chegar ao fim de junho de 2021 a poder dizer que Portugal contribuiu "para que a abertura da Europa ao mundo [...] se faça de forma equilibrada, olhando para os vários polos que constituem hoje a multipolaridade do mundo", desde os Estados Unidos, China, África, América Latina e Índia, não esquecendo o Reino Unido.

MNE espera primeira 'tranche' do Fundo de Recuperação no primeiro semestre

Augusto Santos Silva espera que a primeira 'tranche' do fundo de recuperação chegue aos países "ainda no primeiro semestre" de 2021, assumindo como objetivo da presidência portuguesa "chegar ao fim" com "todos os planos nacionais aprovados".

Em entrevista à Lusa, Augusto Santos Silva frisa ainda a importância de o complexo processo de ratificação do aumento do teto dos recursos próprios, indispensável à entrada em vigor do orçamento europeu para 2021-2027, ser "o mais curto possível", para cumprir outro objetivo: terminar a presidência "com o Quadro Financeiro Plurianual no terreno".

"Nós esperamos que ainda no primeiro semestre possa verificar-se o tal adiantamento dos 10%", afirma Santos Silva sobre a primeira 'tranche' de 10% do montante total que cada Estado-membro receberá do Fundo de Recuperação e Resiliência, que visa relançar a economia europeia após a crise provocada pela pandemia de covid-19.

Dotado de 750 mil milhões de euros, o fundo tem como principal instrumento o Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência, composto por 672,5 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos (Portugal receberá 15,3 mil milhões de euros em subvenções) a que os Estados-membros só podem aceder uma vez aprovados os seus planos nacionais de investimento.

Caberá à presidência portuguesa alcançar a maioria qualificada dos 27 necessária para aprovar os planos nacionais dos Estados-membros para a libertação da primeira 'tranche', de 10%, de empréstimos e subvenções.

O ministro define assim como um dos objetivos da presidência portuguesa "chegar ao fim [do semestre] com todos os 27 planos nacionais de recuperação e resiliência aprovados".

"Isso implica que os Estados-membros negoceiem esses planos com a Comissão Europeia - é por exemplo o que Portugal está a fazer desde o primeiro dia em que era possível fazer, desde 15 de outubro [...]. Depois dessa negociação, cada plano nacional tem que ser aprovado pelo Conselho. E ainda é possível, se o Estado-membro quiser, fazer uma espécie de apelo ao Conselho Europeu", explica.

"Temos seis meses para isto e o nosso objetivo é que até ao fim da presidência os planos nacionais sejam aprovados. Porque a lógica do Fundo de Recuperação é diferente da lógica dos fundos europeus propriamente ditos. Neste caso, há um adiantamento inicial, a proposta da Comissão é que seja 10%, mas depois os pagamentos são feitos numa lógica de reembolso, portanto cada Estado faz a despesa e depois é ressarcido por parte da Comissão Europeia", esclarece.

O financiamento dos 750 milhões de euros do fundo vai ser feito através da emissão de dívida pela Comissão Europeia, dívida que terá de ser paga dentro de alguns anos, preferencialmente através de novos recursos próprios da União Europeia (UE), como um imposto baseado nos resíduos de plástico (a introduzir em 2021), ou um futuro imposto digital.

Para isso, é necessário alterar a legislação europeia em matéria de recursos próprios, o que exige uma decisão unânime de todos os Estados-Membros num processo de ratificação nacional.

"Esse processo será relativamente complexo e, aqui, a principal dificuldade é garantir que ele seja o mais curto possível. Não precisa de ser complexo e longo, pode ser complexo e curto", afirma Santos Silva.

Só depois, o orçamento comunitário entra em vigor, cabendo à presidência portuguesa "a tarefa essencial" de "aprovar mais de 40 regulamentos dos programas específicos" do orçamento pelo Conselho da UE.

"Porque o nosso objetivo que é chegar ao fim da presidência com o Quadro Financeiro Plurianual [QFP] no terreno, com todos os regulamentos aprovados e os programas lançados", explica, notando estarem previstos vários lançamentos de programas durante o 'semestre português', como o Erasmus, o novo corpo europeu de voluntariado, o Horizonte Europa e o Europa Criativa, entre outros.

 Portugal quer dar "o impulso definitivo" ao modelo social europeu 

A presidência portuguesa da União Europeia quer ainda dar "o impulso definitivo" à concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com a Cimeira Social como "grande momento" do semestre, afirma o ministro dos Negócios Estrangeiros em entrevista à Lusa.

Um "grande objetivo da presidência portuguesa da União Europeia (UE) é poder dizer, quando terminar, que foi na presidência que foi dado o impulso definitivo à realização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, isto é, a avançar no domínio da proteção social e, em geral, do modelo social europeu", diz Augusto Santos Silva.

Esse impulso será dado na Cimeira Social, que o ministro aponta como "o grande momento" da presidência, marcada para 07 e 08 de maio, no Porto.

A Cimeira, explica, vai estruturar-se em "duas grandes realizações ligadas entre si".

"Uma conferência de alto nível reunindo as instituições europeias, os Estados-membros, os parceiros sociais, as organizações não-governamentais e a academia, as universidades e centros de investigação, em torno da agenda social europeia. E a realização do Conselho Europeu informal, também dedicada aos temas da agenda social, da qual se espera um grande impulso político para a implementação do Plano Europeu dos Direitos Sociais", enumera.

Na agenda vão estar "coisas muito concretas", como "a nova garantia para a infância, a nova diretiva regulamentar sobre o quadro europeu do salário mínimo, o reforço da garantia jovem, uma nova abordagem política das questões do envelhecimento [...] e avanços" no domínio da União Europeia para a Saúde.

A garantia para a infância, diz, "tem uma missão muito clara, mas muito forte", de "impedir que qualquer criança europeia se veja excluída, por razões financeiras, dos cuidados de saúde ou de educação".

Também o reforço da garantia jovem, que passa pelo acesso dos jovens "à educação e à formação profissional, à proteção e à transição da etapa de formação para a vida ativa".

No caso do envelhecimento, o objetivo é "garantir formas ativas de envelhecimento e de participação dos mais idosos na vida social" e "enfrentar o desafio do quase inverno demográfico que vários países europeus já vivem".

Na diretiva sobre salário mínimo europeu, aponta ainda, não está em causa estabelecer um valor único, que "seria um absurdo dadas as divergências económicas entre os Estados-membros", mas "garantir um quadro de referência europeu para o salário mínimo".

Um mesmo enquadramento tem sido defendido por "vários Estados-membros, incluindo Portugal", para a garantia de um rendimento mínimo universal, como o que em Portugal se designa Rendimento Social de Inserção.

Além destas, Santos Silva refere outras questões diretamente relacionadas com a aplicação do Pilar dos Direitos Sociais como "toda a dimensão da igualdade e da não discriminação", que inclui a diretiva "de participação das mulheres nas administrações das empresas, a diretiva sobre a transparência salarial, a estratégia de realização dos direitos e de não discriminação das pessoas em função da sua orientação sexual", entre outras.

O Pilar Europeu dos Direitos Sociais é um texto, não vinculativo, de 20 princípios para promover os direitos sociais na Europa, aprovado em Gotemburgo (Suécia) em novembro de 2017.

O texto defende um funcionamento mais justo e eficaz dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social, nomeadamente ao nível da igualdade de oportunidades, acesso ao mercado de trabalho, proteção social, cuidados de saúde, aprendizagem ao longo da vida, equilíbrio entre vida profissional e familiar e igualdade salarial entre homens e mulheres.

A Comissão Europeia está a preparar a sua proposta para o plano de ação e deve apresentá-la formalmente no primeiro trimestre de 2021, cabendo à presidência portuguesa conduzir o debate e negociar um compromisso entre os 27 que permita 'fechar' um acordo em maio.

"Estamos hoje mais perto de um acordo" 

O ministro dos Negócios Estrangeiros considera que a União Europeia e o Reino Unido estão "hoje mais perto de um acordo" e confia que "a racionalidade" implícita num desfecho positivo "tenderá a imperar sobre as emoções".

Em entrevista à Lusa, Augusto Santos Silva aborda também a questão das pescas, um dos últimos pontos em aberto na negociação, para frisar que, neste capítulo, Portugal não é um dos países que serão mais afetados por um eventual 'no-deal', mas que beneficiará indiretamente da sua resolução.

"À data e hora a que falamos, as perspetivas são mais positivas do que eram na semana passada e, portanto, eu diria que estamos hoje mais perto de um acordo sobre a relação futura entre a União Europeia e o Reino Unido", afirma o ministro, entrevistado na terça-feira de manhã.

O ministro justifica esse otimismo apontando que "as equipas negociadoras estão a trabalhar", que, "por duas vezes [...] a presidente da Comissão Europeia e o primeiro-ministro do Reino Unido impediram que houvesse o fecho das negociações sem resultado positivo" e, "sobretudo, porque aquilo que separa as duas entidades é hoje relativamente pouco".

"Acredito que no fim do dia a racionalidade tenderá a imperar sobre as emoções. Eu acredito que haja um acordo", afirma.

Um dos "pontos críticos" pendentes de acordo são as pescas, em relação ao qual Portugal tem "um interesse meramente indireto", na medida em que, para a pesca nas águas da Noruega, nomeadamente de bacalhau, beneficia "de haver uma contrapartida oferecida à Noruega a partir de direitos de pesca nas águas do Reino Unido".

"Portanto, o nosso interesse é meramente indireto, não fazemos parte do grupo de países que serão mais diretamente prejudicados se não houver acordo", explica.

Outro "ponto crítico" são as condições de concorrência, o acordo económico, em que o objetivo "zero tarifas e zero cotas no comércio entre a Europa e o Reino Unido", que permita exportações e importações sem taxas aduaneiras, implica condições equivalentes para os bens e serviços de ambos os lados.

"Porque, por exemplo, os Estados europeus estão proibidos, a não ser em circunstâncias excecionais bem delimitadas, de subsidiar as suas empresas para elas terem vantagens internacionais. O Reino Unido tem que ter uma disposição equivalente, senão a concorrência não é justa e nós temos que impor tarifas", aponta.

É neste ponto, que, "não havendo acordo, as coisas serão mais difíceis", na medida em que a partir de janeiro se aplicam as regras da Organização Mundial do Comércio, com a imposição de tarifas ao comércio, o que afetará as exportações, "importantes para alguns setores da atividade económica [em Portugal], por exemplo, a indústria conserveira, e afetará as importações".

Não havendo acordo, Portugal aplicará o plano de contingência europeu, porque pertence a um mercado único com "condições comuns de negociação comercial com entidades terceiras".

Já resolvida, "a contento", está aquela que foi "a principal fonte de preocupação": as condições e direitos dos cidadãos europeus residentes no Reino Unido e dos britânicos residentes na União Europeia.

No caso dos portugueses no Reino Unido, já se registaram "mais de 300 mil", com uma "taxa de recusa absolutamente residual", e, no dos britânicos em Portugal, entre 2010 e 2020, "quase duplicou" o número de britânicos residentes em Portugal registados, atualmente cerca de 50 mil.

Também no turismo, de elevada importância para Portugal, que tem o Reino Unido como "primeiro mercado emissor de turistas", "as coisas estão resolvidas".

"Nós não imporemos a necessidade de visto para qualquer cidadão britânico que venha viajar para Portugal e confiamos que o mesmo faça o Reino Unido em relação a cidadãos europeus", nota, adiantando que já foram tomadas medidas nos aeroportos de Faro e do Funchal para facilitar "a entrada e a circulação de britânicos que venham, por exemplo, passar férias".

Com o risco de não haver acordo a duas semanas do final do período de transição, que termina a 31 de dezembro, Portugal está a rever o seu plano de contingência nacional, o qual, explicou o ministro, inclui "um normativo de alinhamento em matéria de serviços financeiros" e as bases para "negociar um novo acordo de segurança social" bilateral e "um acordo em matéria de saúde", seja ao nível europeu, ou, não sendo possível, ao nível nacional.

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