Crónicas

O “Caso” Sueco

1. Por manifesta falta de espaço deixo hoje, curto e grosso, o livro e o disco: para ler, “Os Loucos da Rua Mazur”, de João Pinto Coelho; para ouvir, “Live At The Royal Albert Hall”, dos Arctic Monkeys.

2. Ouve-se muito por aí, das virtualidades das sociais-democracias nórdicas. Sou o primeiro a reconhecê-las. Efectivamente, os países do Norte da Europa, têm um desenvolvimento económico, social e humano que nos deixam a léguas de distância.

Vamos lá ver algumas razões de as coisas assim serem. Escolhi a Suécia, pois será talvez o exemplo mais referenciado e é um país que tem uma população quase igual à nossa.

Embora me vá dedicar mais aos aspectos da estrutura do Estado e do seu modo de funcionamento, queria que tivessem presente que a saúde é gerida segundo um modelo descentralizado, havendo grandes variações regionais. As despesas de saúde são todas pagas pelo utente até um certo limite anual e, só quando este é ultrapassado, é que entra o Estado para assumir os pagamentos. Os seguros privados de saúde têm assim um papel preponderante no sistema. Claro que há uma série de isenções e protecção para aqueles que não podem efectivamente pagar.

A Suécia aderiu à União Europeia em 1995. É uma democracia que se estrutura sob a forma de uma monarquia parlamentar. O municipalismo tem uma importância fundamental, logo estamos em presença de um Estado altamente descentralizado. Uma máquina estatal pequena e funcional.

A sua população, segundo os censos de 2018, é de 10 171 524. A população de Portugal é, censos de 2011, de 10 562 178. Como podemos ver, os números assemelham-se.

A Administração Pública sueca está estruturada em três níveis: a) Governo; b) Agências governamentais; e) Condados e Municípios.

a) Governo

Emprega equipas de trabalho muito pequenas que têm como missão apoiar os ministros por intermédio de investigação, pareceres, “follow-ups”, e ajudando a definir objectivos. Actualmente, o Governo Sueco tem 11 ministérios (que podem englobar no seu interior outros).

b) Agências Governamentais

São o local onde estão os especialistas nos diferentes assuntos relacionados com a governação. Gozam de estatuto de autonomia em relação ao Governo e estruturam-se em três níveis: central, regional e local. Compete-lhes a responsabilidade pela maioria das actividades operacionais da administração pública.

Cada uma delas é administrada por um gerente executivo e, normalmente, possui um conselho de administração, nomeado pelo Governo. Pertencem à estrutura governamental, por intermédio de um ministério da tutela. Cabe-lhes a tomada de decisão em relação à sua área de intervenção, os recursos que gere e a administração de quadros e pessoal, de modo a poder cumprir com os objectivos pré-estabelecidos pelo seu estatuto e/ou regulamentação.

A Constituição sueca impede os ministérios de intervirem directamente nas operações diárias das agências governamentais. E é assim desde o século XVII.

Nestas agências incluem-se temáticas tão importantes como Segurança Social, Saúde, Polícia, Autoridade do Emprego, etc.

Para que se perceba, a gestão da pandemia é feita por uma dessas agências liderada pelo epidemiologista sueco, Nils Anders Tegnelle, e não directamente pelo governo.

c) Condados e Municípios

A um nível mais abaixo, mas não menos importante, estão os Condados e os Municípios. Os Conselhos de Condado são os responsáveis, entre outras coisas, pelas vias de comunicação regionais (estradas, autoestradas) bem como a gestão dos hospitais. Aos Municípios compete o prosseguimento de todas as categorias de serviço de proximidade e desenvolvimento de políticas locais, de entre as quais se destaca a educação.

Os Municípios têm amplos poderes, tais como a regulação e cobrança de impostos. Suportam-se num Conselho Municipal eleito do qual emana um conselho executivo, formado por eleitos com o apoio de, poucos, funcionários.

As regras usadas no sector público são exactamente as mesmas que são aplicadas ao sector privado. Não há diferenças. A grande, e praticamente única diferença, reside nos códigos disciplinares da função pública que são extremamente rigorosos.

A maioria dos funcionários públicos trabalha nas agências governamentais e no poder local. Há muito poucas carreiras administrativas directamente dependentes do Estado central (diplomatas, polícia e forças armadas).

É às agências que compete a contratação e despedimento dos seus funcionários e o mesmo se passa com os municípios.

Não há definição de carreiras de topo, uma vez que se entende que estes cargos sejam de nomeação política, mediante experiência e habilitação comprovada. Não há carreirismo, uma vez que acabado o mandato governamental, o exercício da função cessa.

O número total destes cargos, não ultrapassam os 280, aos quais se podem somar os quadros nomeados para apoio contínuo ao governo (secretários de estado, directores gerais, chefes de gabinete, assessores, secretários, etc.), que não ultrapassam os 80.

A Suécia tem um total de 236.000 funcionários públicos governamentais, dos quais, reafirmo, só 360 são de topo e com cargos de nomeação política. Directores de serviço (promovidos via concurso interno/externo) são cerca de 12.000. Excluem-se daqui os trabalhadores da administração regional e municipal. Muitos deles trabalham no ensino e em hospitais, grande parte sob a forma de PPP’s.

A carreira na função pública sueca não é para a vida. O despedimento pode ocorrer, considerando-se a reorganização de serviços como “justa causa”. Tal qual no sector privado.

Cada agência, cada “länsstyrelse” (regional), cada município, detém a competência de contratação e de determinação do valor salarial a pagar.

A negociação colectiva, na função pública, é feita ao nível central, depois ao nível de cada agência/município e, finalmente, individualmente. O objectivo é garantir que a remuneração seja competitiva ao nível do mercado de trabalho. O valor salarial apoia-se no tamanho da força de trabalho, no orçamento, na complexidade funcional, nos resultados obtidos, nas avaliações, etc.

A Suécia funciona como exemplo, porque se apoia em princípios profundamente liberais: instituições de mercado fortes, impostos corporativos relativamente baixos, a propriedade privada é respeitada e o comércio está entre os mais abertos do mundo.

Quanto teve de o fazer, a Suécia soube reformar: na educação permitiu a escolha da escola a frequentar, por intermédio de “vouchers”; fez cortes nos impostos; reformou o modo de funcionamento das pensões (introduzindo os seguros) e aboliu os impostos sobre heranças e doações. Não é exactamente o que se esperaria de um país supostamente “socialista/social-democrata”.

Comparemos isto com Portugal: um Estado altamente centralizado, com uma máquina governamental enorme e perra, com um funcionalismo público acomodado, impostos altos e carga fiscal individual altíssima, excesso de regulação e pouquíssima fiscalização. Comparemos este Estado balofo, com o Estado “slim” que a Suécia tem.

Tudo o acima descrito, e apesar de quem está no governo na Suécia serem os social-democratas (coligados com os verdes), são princípios eminentemente reformistas e liberais. São a demonstração clara da enorme diferença que vai do socialismo do PS português (centralista, proteccionista do compadrio e do nepotismo, manobrador, estatista, etc.) para o modelo sueco.

Usar e abusar, de boca cheia, de uma referência com a qual não aprendem nada, é uma perfeita idiotice. Os socialistas portugueses não têm nada a ver com as social-democracias nórdicas. Nada.

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