Madeira

Rezas, massagens e mezinhas ‘explicadas’ hoje na Madeira

Estes e outros assuntos vão estar hoje em debate na Iª edição do seminário “Aqui Há Madeira - O Diabo, as bruxas e as superstições madeirenses”, em Câmara de Lobos

Alecrim verde é utilizado para fazer muitas das rezas com a inveja. Foto: DR.
Alecrim verde é utilizado para fazer muitas das rezas com a inveja. Foto: DR.

Rezas para o mau-olhado, o ar frio ou o ar quente. Massagens para o bucho-virado. Diabos com correntes nas serras. Bruxas que tentavam passar os novelos. Estes e outros assuntos vão estar hoje em debate na Iª edição do seminário de história local “Aqui Há Madeira - O Diabo, as bruxas e as superstições madeirenses”. Uma iniciativa da Universidade Aberta em parceria com a Câmara Municipal de Câmara de Lobos, a Associação para o Desenvolvimento dos Estudos Globais e Insulares, o CLEPUL – Madeira e o Xarabanda.

A sessão de abertura está a cargo do orador convidado, Manuel Curado, professor da Universidade do Minho, com o tema ‘A Escuridão que Ilumina: Levar a Sério as Narrativas Portuguesas sobre Bruxas’, a que se seguirão intervenções de vários investigadores madeirenses, divididos em dois painéis. Integram esses painéis o Padre José Luís Rodrigues que falará sobre “A submissão madeirense ao imaginário supersticioso” e Rita Rodrigues que abordará o caso de “Marta Diabo” e outros diabinhos vigilantes e tentadores.

Na parte da tarde, Manuel Pedro Freitas falará sobre ‘O estranho caso de uma Bruxa’ e Luísa Paolinelli sobre ‘O demónio feminino e o “coitado do marido” – Baltazar Dias e Malícia das Mulheres’. Paulo Perneta falará sobre Grimas, cavalões, bichas feras e outros diabos à solta nas serras da Madeira e Bruno Costa analisará ‘A Superstição perante o Inquisidor (Madeira, 1618)’.

O Seminário será encerrado com as preleções de Rui Camacho e Lídia Araújo da Associação Cultural e Musical Xarabanda que apresentarão o tema ‘As Feiticeiras (e outras entidades), Feiticeiros e o Povo’, acompanhado de alguns testemunhos.

“Eu te curo, em nome de Deus e da Virgem Maria e das três pessoas da Santíssima Trindade. De olhado invejante não invejado, se te deram no comer, no beber, na gordura, na formosura, no andar e no trabalhar. Eu te curo para tirar este mal do teu corpo, da tua carne, dos teus ossos e das tuas veias. Em nome de Deus, da Santíssima Trindade, por Jesus Cristo, baptizado em Jordão, verdadeiramente corre este mal”. Esta é uma das muitas orações entoadas durante décadas pelas curandeiras. Oração que, segundo a revista “Rezas”, do Xarabanda, deve ser feita com alecrim verde e sempre em número ímpar.

Título: A Escuridão Que Ilumina: Levar a Sério as Narrativas Portuguesas sobre Bruxas

A presente comunicação propõe-se interpretar narrativas demonológicas portuguesas sobre o voo extático das bruxas ao encontro dos ajuntamentos e sobre as visitações nocturnas de entidades sobrenaturais a seres humanos. Defende-se que o conjunto de motivos que estruturam essas narrativas é rico em lições perenes sobre o que somos e o que podemos vir a ser.

Título: O caso de “Marta Diabo” e outros diabinhos vigilantes e tentadores

“Marta Diabo” é uma pequena e modesta pintura, de sabor naïf, executada por um pintor regional, no século XVIII, que testemunha uma paixão (não correspondida) de um nobre madeirense que em desespero da sua causa pratica um acto de bruxaria. Denúncias, inquirições e testemunhos atestam diferentes leituras sobre um desenho de “hum corpo humano sem cabeça”.

Título: A Superstição perante o Inquisidor (Madeira, 1618)

Em 1550, o Cardeal D. Henrique ordenou que os deputados do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa se informassem das heresias e apostasias ocorridas na Ponta do Sol. Esses primeiros casos, de feitiçaria e sortilégios, não geraram processos criminais. Os comportamentos supersticiosos foram considerados ao longo dos séculos como práticas heterodoxas da religiosidade local. Décadas depois, novas denúncias, com as visadas a receberem penitências espirituais.

Título: Grimas, cavalões, bichas feras e outros diabos à solta nas serras da Madeira

Uma visita ao folclore diabólico madeirense - grimas e cavalões, os ‘sabbats’ do Paul da Serra, e o caso do diabo das serras de Santo António - o diabo sincrético, e suas possíveis relações com folclore e religiosidade africana e afro-americanas.

Título: O demónio feminino e o “coitado do marido” – Baltazar Dias e Malícia das Mulheres

Falsa, enganadora, faladora e pecadora, a mulher em Baltazar Dias pertence à tradição compósita dos livros de malícias e enganos que desenvolveu ao longo dos séculos diversos tópicos relativos à maldade e à presença do demoníaco na figura feminina. Fruto dos medos e dos preconceitos masculinos, a mulher pecadora, digna descendente de Eva, exerce o seu fascínio fatal, em conjura com as amigas, enganando o homem e levando-o à perdição moral, social e económica.

Título: As Feiticeiras (e outras entidades), Feiticeiros e o Povo

A crença em feiticeiras, bruxas e demónios é uma prática ancestral. Durante o período da Inquisição, a Igreja fez um esforço para reprimir este tipo de práticas e muitas pessoas, principalmente mulheres, acabaram condenadas à fogueira. No entanto, a crença nestas “entidades” chegou até aos nossos dias e ainda mantêm alguma força na actualidade, na tradição popular. As feiticeiras são entidades sobrenaturais, dotadas de forma humana, mas com capacidades metamórficas.

Carlos Barradas, do Centro Local de Aprendizagem da Universidade Aberta, sublinha que “a gente não consegue andar para a frente sem conhecer o que está para trás”. E por isso a importância de reunir documentação sobre as crenças, superstições, rezas e mezinhas que desde sempre fazem parte do universo madeirense.