Artigos

As Ovelhas que comem os Lobos

A sociedade é uma verdadeira massa cinzenta de indivíduos independentes que abandona completamente a ideia de grupo

Ao falarmos dos temas criminais, importa também analisar aqueles fenómenos que (normalmente) se encontram fortemente distanciados deles mas que, com igual regularidade, evocam a mesma repulsa e desprezo popular. Falamos então do ativismo social e político.

A história do ativismo é extremamente antiga, sendo possível traçá-la pelo menos desde os tempos da Antiguidade Clássica. Contudo, particularmente na atualidade, verificamos uma constante que se mantém independentemente da natureza dos “ativismos”: a hostilização passiva e/ou ativa popular em relação àqueles que se manifestam em torno de um determinado ideal que na maior parte das vezes nem afeta o povo. Enquanto a hostilização ativa anda em volta de coisas como crenças completamente opostas àqueles que se manifestam, a passiva assume contornos muitos difusos em que se entende o ativista como algo a mais mas sem se saber bem porquê.

Com esta reflexão, não tento denegrir nem conformistas nem ativistas. Ofereço antes uma ponderação do porquê de existir uma fricção entre aqueles que até concordam com os ideais mas não com os protestos e aqueles que efetivamente protestam a favor de mudanças que consideram justas para si ou para outros grupos. Refiro ainda que nesta exposição me foco em ativistas associados a movimentos de promoção de direitos e não naqueles que querem promover correntes extremas de pensamento politico de esquerda ou de direita, porque, independentemente de posições políticas, os que importam são aqueles que constroem positivamente o legado Humano.

A posição que mais oferece explicações para este antagonismo entre conformistas e ativistas é aquela que descreve a nossa sociedade como um conjunto anónimo em que os laços sociais se encontram quebrados por uma vasta quantidade de fatores associados à modernidade. Perante isto, a sociedade é uma verdadeira massa cinzenta de indivíduos independentes que abandona completamente a ideia de grupo. Posteriormente, surgem os ativistas que se conseguem identificar enquanto grupo focado num determinado ideal. Assim, surge a falsa ideia de hostilidade derivada de insegurança por “os ativistas serem muitos e eu ser só um”, apesar de os movimentos ativistas não serem dirigidos contra os ditos “conformistas” nem existir uma verdadeira incompatibilidade de ideias entre estes dois grupos.

Perante a hostilidade “contra” os ativistas, começa a se desenvolver a ideia de grupo generalizado populacional em relação a eles, motivado pelo antagonismo. Neste sentido, aqueles que eram entendidos como ovelhas (os “conformistas”) passam a ser uma maior ameaça aqueles que eram vistos como lobos (os ativistas) e por essa mesma lógica, as “ovelhas passam a comer os lobos”.

Em relação a estas rivalidades, é importante lembrar que a certo ponto toda a realidade em que vivemos foi construída por práticas ativistas. Todos os “conformismos” de que usufruímos são produto de protestos anteriores que culminaram nas coisas boas e nas coisas más que vivemos na nossa sociedade democrática. Até o próprio Cristianismo foi um ideal em torno do qual se realizaram violentas manifestações contrárias aos ensinamentos do seu próprio protagonista, Jesus Cristo. Por isso, tenhamos sempre isso em conta quando falamos daqueles que apenas querem ver os seus direitos respeitados (lembrando-nos também que existem formas e formas de protestar sem afetar aqueles que nada têm a ver com o problema em questão).