Crónicas

Nas bocas do Mundo

O ciberespaço não pode ser um reino de impunidade onde imperam os ódios de toda a espécie e o uso das redes precisa de ser regulado e se necessário penalizado, quando alguém ultrapassa os limites da liberdade de expressão

A maledicência está instalada na nossa sociedade e a vida de todos está nas bocas do mundo. A privacidade já era e, por este andar, a intimidade está a caminho de ser um mito urbano. Nos cafés, nas rodas de “amigos” e, sobretudo nas redes sociais, reina a difamação e a injúria. Já não é a bilhardice que se limitava a constatar factos e a espalhar, em surdina, as novidades sobre esta e aquele, pela vizinhança. Não, agora é o boato e a calúnia que medram no espaço público. Não interessa se o que dizem ou escrevem é verdade, o importante é denegrir a imagem de um adversário ou de alguém com quem embirram por tudo e por nada.

A Web que faz agora 30 anos e as redes sociais têm muitos aspetos positivos na difusão do conhecimento e na comunicação entre as pessoas, mas são, para alguns, uma espécie de esgoto, onde despejam anonimamente todas as frustrações e complexos. Há uns falhados na vida, tenho pena, que não podem ver nenhum dos seus concidadãos singrar e brilhar que arranjam logo uns novelos, recheados de insinuações, afim de manchar a carreira dos outros. Se alguém desmente, vêm logo com a desculpa de que “onde há fumo há fogo”, mesmo que esse fogo tenha sido ateado pelos próprios a ver se dá incêndio que se veja e que queime os visados. Por via de blogues sem autor, de perfis falsos no Facebook, de fotomontagens e de comentários anónimos, há quem vomite a sua boçalidade e maldade sobre os outros. Coisa bem diferente, é a sátira e o humor que podem e devem ser aceites, pois são salutares e estimulam o pensamento e a ação. Assim como admiro todos os que, com coragem, assumem livremente as suas opiniões e críticas, mesmo as mais dissonantes ou absurdas.

Como jornalista de carreira, com uma incursão na política, sou um fervoroso defensor da liberdade de expressão, e já dei muitas provas nesse sentido, mas também sou um adepto incondicional do respeito pela honra dos meus semelhantes. As notícias devem ser verdadeiras; as opiniões podem ser sectárias; as mentiras devem ser banidas; os insultos não são informações e as ofensas não são jornalismo. É por isso que estes cobardolas que pululam nas redes são os piores inimigos dos jornalistas e da liberdade de expressão.

O ciberespaço não pode ser um reino de impunidade onde imperam os ódios de toda a espécie e o uso das redes precisa de ser regulado e se necessário penalizado, quando alguém ultrapassa os limites da liberdade de expressão. O inventor da Web assegurou há dias que esta se tornou “um monstro fora de controlo” que precisa de ser salva. Se as redes servem para eleger putativos ditadores e gente sem escrúpulos, então há que ter em consideração a importância que assumiram na divulgação tanto das verdades como das falsidades. Isto, sem contar com os conteúdos altamente perigosos para crianças e jovens, como os jogos de risco, que são disseminados na Internet. É por isso que as escolas têm que ter uma nova missão: ensinar a interpretar e checar o que se lê e se vê na web. Um estudo do Eurobarómetro indica que só metade dos portugueses conseguem identificar notícias falsas, uma percentagem muito preocupante e diferente da maioria dos países da União Europeia.

A Justiça portuguesa começa a atuar e já existem sentenças e acórdãos que põem na ordem os prevaricadores, apesar de muitos ainda ignorarem as penalizações a que estão sujeitos quando lançam ofensas e escrevem mentiras. Finalmente, quem investiga começa a ter os meios informáticos para apurar quem são os “anónimos”. A questão está em saber se a injúria e a difamação devem ser crime, como está previsto no Código Penal Português ou apenas um ato ilícito sujeito a indemnização, como estipula a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Seja como for, recentes acórdãos dos Tribunais superiores portugueses têm feito jurisprudência no sentido de considerar o Facebook e outras redes, espaços públicos onde se aplica a legislação sobre os atentados ao bom-nome das pessoas. Já há quem fale no nascimento de um novo ramo do Direito, o Direito das Redes Sociais. A própria União Europeia já aprovou uma Diretiva e um Plano de combate à desinformação. O ciberespaço vai deixar de ser esta selva a que assistimos e um refúgio para os anónimos que propagam todo o tipo de mentiras, violências e ódios.

Já fui vítima de muita patifaria na internet, e já não lhes ligo nada, mas escrevo este artigo em nome das vítimas deste bullying social que ameaça os relacionamentos pessoais e faço-o, ainda, para alertar muitos cidadãos, que por ignorância, acreditam e reproduzem tudo o que lhes aparece à frente, sem cuidar de saber se é verdade ou mentira. É porque também eles estão sujeitos à Lei.