Análise

Puxemos uns pelos outros

Permitam-nos que hoje, dia de muitas decisões que estão nas mãos de todos e de cada um dos eleitores portugueses e do futuro do País que se deseja próspero e edificante, partilhemos a lição que tentamos tirar de um momento inesquecível e emocionante, o de vivermos e vermos de perto Tolentino Mendonça criado cardeal. E nem é por constatarmos que o Colégio Cardinalício ganha um dos nossos e que o Vaticano tem agora mais exposto um tesouro madeirense, um profeta genuíno e um pastor promissor. Mas sobretudo por lermos naquele autêntico “puxem por mim” um desafio colectivo que nos pode elevar em cada instante. Até no pedido humilde de quem tem mil razões para não ser modesto, há um guião para uma história bem diferente das novelas domésticas que temos assistido, ora irrequietos, ora tolerantes, nos últimos tempos.

Puxemos pois uns pelos outros. Não custa nada tentar. Se assim for, negociar o que quer que seja, e muito menos um acordo de coligação que garanta a governabilidade da Região, não poderá ser confundido com a submissão aos ditames dos que querem poder a qualquer preço, vendendo convicções em troco de lugares ou hipotecando a dignidade duradoura à conta de um palco circunstancial. Há mais mundo para além do horizonte e do mandato efémero.

Se assim for, empapelar, complicando a vida a quem precisa de licenças e de autorizações para erguer sonhos e projectos de vida, depressa dará lugar à celeridade edificante, mesmo que alguns, com maldade, optem por reduzi-la a facilitismos ilegais e a fretes geradores de benefícios. Há quem persista na tentação de justificar o lugar que ocupa exibindo a chave de coisa nenhuma, dessa burocracia vil que atormenta os aflitos.

Se assim for, promover com base no mérito é um sinal de maturidade executiva e de desprendimento considerável. Há a perfeita consciência que a satisfação de muita clientela dá votos, mas emperra o sistema e descredibiliza a ilha que por vezes teima em fechar-se ao mundo.

Se assim for, escrutinar com seriedade, fazer perguntas incómodas e discutir pontos de vista não configura crime. Há uma desnecessária perseguição a protagonistas do contraditório e um terrorismo psicológico em torno de quem tem pactos com a verdade que só beneficiam os delatores e os mentores do boato, esses sim um perigo para a qualidade das relações humanas numa terra em que nem todos se conhecem verdadeiramente e alguns se atrevem a tecer considerações abusivas sobre universos que não dominam.

Se assim for, não “será o que Deus quiser”. E é angustiante notar um excesso de desresponsabilização e de culpabilização alheia, com argumentos sem cabimento num tempo em que as dependências atrofiam as capacidades e o progresso com marca própria.

Puxemos então uns pelos outros. De outra maneira, continuaremos obcecados em demasia com o proveito próprio, com egoísmos inconsequentes e com a reles tentação de dividir para reinar. E isso não nos leva longe. Empurrar não é o mesmo que dar asas.