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Sobre o pensamento museológico de Günther Maul

Considerando que este manuscrito, por razões que desconhecemos, nunca chegou a ser publicado e dado que passados 74 anos, se mantém, na sua essência, extraordinariamente atual, reproduzimo-lo aqui, como forma de homenagear o seu autor

No âmbito da comemoração dos 85 anos da abertura ao público do Museu de História Natural do Funchal (5 de outubro de 1933), está a ser preparada uma exposição temporária sobre a obra de Günther Edmund Maul, dermoplasticista alemão contratado pela Câmara Municipal do Funchal em 1930 para fazer a montagem dos espécimes para exposição no então recém-criado Museu. Mais tarde veio a tornar-se diretor do Museu e eminente ictiólogo, sendo não só o responsável pela organização atual do museu, incluindo a criação do Aquário do Funchal, mas também pela publicação de dezenas de artigos científicos sobre peixes do Atlântico e a criação de duas revistas científicas de difusão mundial.

Ao investigar o espólio de Günther Maul com o intuito de colher elementos destinados à referida exposição temporária, deparei-me com o manuscrito de um artigo sobre o Museu, datado de 10 de julho de 1944 e destinado a ser publicado no Diário de Notícias, o qual revela o pensamento deste cientista e museólogo. Considerando que este manuscrito, por razões que desconhecemos, nunca chegou a ser publicado e dado que passados 74 anos, se mantém, na sua essência, extraordinariamente atual, reproduzimo-lo aqui, como forma de homenagear o seu autor.

A exposição intitulada “Museu, Natureza e Ciência. Günther Maul (1909-1997)”, estará patente ao público no Museu a partir de 29 de outubro de 2018 e até 20 de abril de 2019.

O Museu científico moderno e as suas funções

Por: Günther Edmund Maul, Diretor do Museu Municipal do Funchal

Antigamente, os museus eram edifícios que continham uma grande aglomeração de curiosidades, exibidas muitas vezes sem método e sem observância do arranjo sistemático que pudesse dar ao visitante uma ideia do parentesco das espécies. Ainda hoje é esta a ideia que muita gente faz dum museu, mas pouco ou nada aprenderia o curioso passando pelas vitrinas cheias à cunha de exemplares “estofados” com péssima apresentação e que em vez de darem uma ideia de forma verdadeira do animal atribuíam-lhes formas grotescas, anatomicamente impossíveis.

Séries de espécimes cuidadosamente selecionados e dispostos de modo a salientar as suas características essenciais, têm substituído em toda a parte este mostruário de curiosidades. O fim não é agora atrair o visitante pelo número, raridade ou bizarria dos objetos, mas procurar instrui-lo duma maneira prática e atraente que impressione e se fixe na sua memória. O visitante deve ficar não só com a impressão de que viu uma coisa boa e bonita, que lhe prendeu o interesse durante algum tempo, mas também de que aprendeu alguma coisa que antes não sabia.

Cada objeto é montado com o maior rigor científico e artístico possível tendo desaparecido os pequenos grupos com cenários ridículos, como, por exemplo raposas a devorar galinhas pintadas de sangue no meio duma imitação de relva, arbustos, terra, etc. Hoje em dia, procura-se mostrar o animal na sua posição natural e típica, possivelmente numa atitude de repouso porque uma posição de movimento dá imediatamente uma impressão falsa. Na disposição é considerado, além do aspecto sistemático, o ponto de vista estético, de forma que tudo se apresenta num conjunto harmonioso, evitando a superabundância, que só produz confusão em vez duma imagem clara e nítida.

Mas isto, ao contrário do que muita gente julga, não é a única função do museu moderno. Além das coleções expostas, há outras com número de exemplares muitíssimo maior, numa infinidade de frascos, caixas e gavetas cheias de material, tudo numerado em correspondência com o catálogo, onde se encontram os apontamentos da localidade, data da colheita e outros pormenores de importância para o estudo científico e exato dos espécimes. Este material minuciosamente organizado em coleções separadas, de pouco interesse para o visitante eventual, mas de grande valor para o estudioso, é gostosamente facultado a todos os interessados.

Uma das finalidades mais importantes dum museu é servir a ciência dum modo geral, isto é, estudar o material das suas colheitas, comunicar novas descobertas a outros museus, publicar os trabalhos realizados para que se não percam e sirvam a outros cientistas das várias especialidades para conclusões biológicas, taxonómicas, geográficas etc.

É um dever muito grato ao espírito do naturalista atender, do modo mais satisfatório possível, os vários pedidos e perguntas que vêm de outras instituições do mesmo género e às vezes de empresas comerciais e industriais que necessitam de esclarecimentos técnicos. Estes esclarecimentos devem prestar-se não só a instituições de importância, mas a qualquer curioso que tenha desejo de saber o nome disto ou daquilo ou peça informações sobre um assunto que só a ciência pode dar. Nos casos em que se não possa responder satisfatoriamente por falta dum especialista (como sucede nos museus pequenos) ou por outro motivo, deve o museu indicar o modo de obter informações e orientar o interessado.

Aos grupos de visitantes ou escolas, quando assim o desejam, são dadas pelo pessoal do museu que os acompanha, explicações e esclarecimentos que tornam a visita ainda mais instrutiva.

A respectiva biblioteca, além de servir o museu diretamente, deve ser acessível ao leitor estudioso e para isso tem que estar convenientemente organizada o que representa um trabalho um tanto complexo, mesmo numa biblioteca pequena, por causa das muitas publicações próprias de estabelecimentos deste género científico.

O nosso Museu Municipal com 14 anos de existência apenas, encontra-se naturalmente, ainda num estado evolutivo. Está montado num edifício que não foi especialmente construído, para esse fim o que torna a disposição metódica mais complicada e ainda não tem as suas coleções organizadas nas salas conforme os planos expostos. Contudo cada dia que passa, à medida que se vão obtendo novas aquisições, muitas vezes ofertas generosas, o Museu tende a atingir a finalidade para que foi inteligentemente criado, por forma a elevar o nível intelectual científico da Madeira.

Funchal, 10 de julho de 1944