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O Estado e os Madeirenses

Desafio os senhores do Estado a relerem tudo quanto é inerente à formação das nações-Estado

1 de Junho ! Dia Mundial da Criança ! Resolvi aproveitá-lo para, como diz Pessoa, “vendo que o que sou é nada / ir buscar quem fui onde ficou”.

Assim, venham de lá as palavras que brotam diretamente do coração para a boca. Ou, como dizia um professor de Psicofisiologia, das vísceras quando, na fase de amamentação, o bebé berra com fome.

Fome, sim !

Neste caso fome de justiça pelo Estado português continuar a tratar os Madeirenses como cidadãos de segunda (ou mesmo de terceira) !

Fome de justiça que deriva, desde logo, do não cumprimento integral das obrigações inerentes à continuidade territorial ! Do que decorrem desigualdades (enormes !) para os Madeirenses em termos de custos de bens de 1ª necessidade ou de investimento. E tema que não se esgota nas importações, antes se estende às nossas exportações.

Fome de justiça pelo Estado permitir que uma empresa, que é detida por si, não cumpra com as obrigações de serviço de transporte público para com cidadãos das suas regiões insulares ! Circunstância esta passível de demonstrar de diversas formas e que tem no preço cobrado por km voado o seu clímax de abuso. Chega a ser, entre Lisboa e a Madeira, 4 vezes superior ao de viagens entre Lisboa e outros destinos da Europa ...em voos da mesma companhia. E não tente confundir-se a questão apelando para a lei da oferta e da procura, porque o tema é político-constitucional, de direitos dos cidadãos e não de lógicas de mercado !

Fome de justiça também, por esse mesmo Estado, ao atuar daquele modo, permitir, no limite, que uma companhia que é sua promova, tanto ou mais, destinos estrangeiros do que de nacionais, neste caso o nosso. Noutros tempos, revolucionários, a circunstância poderia ter foros de sabotagem económica nacional.

Fome de justiça ainda, porque para além do que se disse nos parágrafos anteriores, esse mesmo Estado se permite exigir que os residentes nas regiões insulares tenham de “adiantar dinheiro” (na ordem de centenas de Euros média / viagem de ida e volta) ... a esse mesmo Estado ! E isto para poderem beneficiar do direito de mobilidade dentro do seu país. Centenas de Euros essas que, note-se, só são devolvidas depois de processos burocráticos inadmissíveis nos dias que correm. Nalguns casos, na Madeira, só 2 meses depois, caso o cidadão opte por pagar com cartão de crédito. Num direito que lhe assiste ou mesmo que por necessidade, no sentido de diluir no tempo o “adiantamento” que teve de fazer ao Estado. E pelo qual, relembre-se quem esquece, paga juros e comissões.

Fome de justiça finalmente, visto esse Estado, como se não fossemos o mesmo país, se permitir cobrar, à Madeira, juros superiores aos que ele próprio paga a terceiros ! Apesar de, como S. Tomás e numa demonstração inequívoca da sua (in)coerência, defender o contrário quando se trata de apelar à criação de European Bonds para beneficiar do risco menor de outros países.

Fome de justiça, termino, porque esse mesmo Estado, sabendo do êxito do Registo Internacional de Navios (apesar dos empecilhos que lhe colocou) e nomeadamente qual o impacto do mesmo nas nossas contas, em vez de o defender contra países terceiros e melhorar o seu nível competitivo (como seria sua obrigação), diminui-lhe ... em benefício de outros.

Enfim...concluo ! Mas porque hoje é Dia Mundial da Criança, brincando. Consciente, porém, de quão é séria a atividade lúdica para a aprendizagem e a vida de todos.

Mais concretamente. Desafio os senhores do Estado (sem ou com afetos, mas em especial estes últimos se assim são mesmo) a relerem tudo quanto é inerente à formação das nações-Estado e em especial a voltarem a Ortega Y Gasset (que alguns de Vós também tanto citam) para se recordarem, como diz aquele autor, que “Não é o que fomos ontem, mas o que vamos fazer amanhã juntos, que nos reúne em Estado”. E para completar, deixo-Vos ainda com um pequeno brinquinho de reflexão. Citando Manuel Castells, sociólogo de renome, que nos diz que num estudo sobre a autodefinição das pessoas em termos da sua identidade, 38% considera a nação como a sua fonte principal. Mas que 47% escolhe a opção regional / local, sendo que no Sudoeste Europeu (onde nos integramos) esta escolha é de 64 % dos cidadãos, a maior percentagem do mundo...