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Apoio à Mobilidade Cultural

Temos de criar incentivos para que os agentes culturais se possam deslocar

As nações unidas declararam que a Cultura e o Acesso à Cultura são pilares fundamentais da construção humana.

Vivendo numa ilha, sempre tive a constante necessidade de ligação a outros “mundos” e outras culturas, dentro da minha actividade profissional fui um felizardo, por ter tido a oportunidade de conhecer outras realidades, outros povos, outras maneiras de ver e viver outras realidades. Sempre senti que o multiculturalismo era fundamental para a pacificação global, mas sobretudo para a valorização do ser humano.

Nos últimos anos, depois do meu regresso profissional à Madeira, comecei a achar assustador a realidade que atravessávamos, pois cada vez mais ela ia-nos isolando, não só na possibilidade de irmos à busca de outras realidades, mas sobretudo de trazer outras perspectivas até nós.

Hoje e depois de nos últimos eventos que organizei na Madeira, chegamos à triste realidade de atribuir 70% do orçamento a viagens (já que os preços estão exorbitantes e a inconstância de aterrar leva a que muitos artistas e agências de artistas a não arrisquem a aceitar actuações por cá e que tenhamos de contar sempre com acertos do “imprevisto”), dei por mim a pensar em como inverter esta situação e cheguei à conclusão que para tal será fundamental a criação de um apoio à mobilidade cultural e o livre acesso dos agentes culturais pelo menos aos países de Lingua Portuguesa (CPLP), que permita o intercâmbio sócio-cultural. É fundamental dar passos significativos para que este apoio seja um desígnio e que seja uma realidade a curto prazo, para que tenhamos acesso a melhores espectáculos, a uma melhor agenda cultural e, sobretudo, a uma maior aculturação das populações.

Já sabemos que somos uma ilha e sabemos também que estamos dependentes da capacidade ou facilidade com que as pessoas se deslocam até nós. Isso faz com que este tema seja fulcral para a nossa capacidade de construção enquanto incubadora e “exportadora” de talentos e nas oportunidades que são dadas aos que por cá vão surgindo, mas também para que o melhor que existe nessa área chegue até nós. De uma forma fria e crua, quanto melhores são os agentes culturais, mais requisitos e formalidades há para preencher e com a exigência, melhor nos tornamos. Se os queremos connosco, uma vez que é com os melhores que aprendemos e é na troca de experiências que desenvolvemos a metodologia da competitividade e do crescimento sustentado, então temos que dar as condições justas para cheguem cá e para que consigamos ir até lá, mas fundamentalmente para que os produtores dessas sinergias os possam ter interesse em os fazer chegar até nós.

Dou um exemplo prático:

Um Promotor que faça um evento simples, um concerto médio, contrata uma banda composta por 10 elementos para vir fazer um espectáculo à Madeira:

Orçamento:

- 8 músicos

- 1 Road Manager

- 1 Técnico

- 10 Viagens X 400€ = 4.000€

- Cashet = 3.000€

- Aluguer da Sala = 1.500€

- Logística Técnica de som, Luz e Video... = 2.500€

- SPA = 400€

- PASS Música = 400€

* Licença de Espectaculos

* Alimentações e Estadias:

- Impostos

* nem vou tocar na questão das licenças base, na quantificação do trabalho das equipas de produção, limpeza e segurança...

Sem alongar muito nos números, até porque são estimativas, chegamos à conclusão que temos de custos fixos perto de 12.000€ e todos sabemos que a nossa maior sala (com lugares sentados) tem a capacidade de 600 pessoas, se vendermos os bilhetes todos a 10€ e não dermos uma borla, significa que temos um prejuízo directo de 6.000€.

Moral da história:

Quando se lembrarem de pedir convites a quem organiza eventos, lembrem-se destes números, e tenham a capacidade de perceber que mais cedo ou mais tarde esta realidade tem de mudar para bem de todos.

Urge uma estratégia e um consenso generalizado sobre esta material, acima de tudo urge mais ação. De maneira construtiva parece-me que chamar os agentes culturais à discussão será a melhor forma de perceber como poderemos resolver o problema. Eu diria que, para inicio de conversa, não poderemos querer ter cá o que de melhor se passa no Mundo, passando o risco e o prejuízo sempre para quem tem vontade de estabelecer essas pontes e criar conteúdos valorosos que nos acrescentam e estimulam as novas gerações.

Temos obrigatoriamente que criar o “Apoio à Mobilidade Cultural”, criando incentivos para que esses profissionais se possam deslocar à Madeira e que nós possamos chegar a outros “mundos”. Com regras e objectivos definidos, com certeza, mas definitivamente com o intuito de nos tornarmos num “cluster” cultural de referência e acima de tudo de futuro para as novas gerações.