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Orçamento dos Estados Unidos é ameaça a mandato de Guterres

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A proposta de orçamento do Estado dos EUA apresentada por Donald Trump na semana passada, com cortes anunciados para as Nações Unidas, é o grande desafio que o secretário-geral da ONU enfrenta no comando da organização, avisa um analista ouvido pela Lusa

O orçamento final será elaborado pelo Congresso e a proposta da Casa Branca é vaga em relação aos cortes, mas o diretor de orçamento da administração, Mick Mulvaney, disse que os EUA vão “absolutamente reduzir o financiamento à ONU e outros programas de ajuda”.

O académico e colunista Steven Metz, em declarações à agência Lusa, diz que estas ameaças devem ser levadas a sério: “Trump não é, claramente, um fã da organização. Uma das chaves para o seu segredo eleitoral foi convencer os conservadores de que avançaria as suas posições e é aqui que entra em jogo a ONU: a classe política americana de direita há muito tempo que é cetica, ou mesmo hostil, em relação a organização”.

Quanto aos eleitores, o especialista diz que não existem sondagens sobre os apoiantes de Trump e a organização, mas acredita que “se o presidente defender algum tipo de corte total ou parcial com a ONU a maioria dos seus apoiantes e dos eleitores republicanos irão apoiá-lo.”

Metz cita uma sondagem de 2015 segundo a qual apenas 35 por cento dos americanos acredita que a ONU é boa a resolver problemas e uma maioria acredita que é má a fazê-lo.

“Acredito que a estratégia mais eficiente para Guterres será trabalhar através da embaixadora [Nikki] Haley para descobrir se o presidente Trump quer ou não um envolvimento direto em breve”, diz Metz.

Nikki Haley, numa declaração enviada aos jornalistas na quinta-feira, disse que, “em muitas áreas, a ONU gasta mais do que deveria”, mas nas suas audições durante o processo de aprovação no Senado disse que seria contra cortes indiscriminados na organização.

Os cortes anunciados não são precisos, mas devem acontecer nas contribuições voluntárias que o país faz à organização. Um dos alvos principais serão os programas contra as mudanças climáticas, iniciativas para as quais o país deve parar de contribuir totalmente.

O professor da Universidade de Nova Iorque e especialista em ONU Richard Gowan disse à Lusa que “Trump é imprevisível, mas será certamente uma ameaça para as Nações Unidas” e explicou como Guterres se pode preparar para isso.

“Guterres não pode cortejar Pequim de forma aberta, usando a China como um contrapeso, mas terá de manter conversas discretas com outros poderes para mitigar futuros esforços americanos que minimizem a organização”, disse.

Por outro lado, acredita Gowan, o secretário-geral “precisa identificar um número de assuntos que sirvam para vender a utilidade da ONU para a nova administração”, e dá o exemplo da liderança que a ONU pode ter na reconstrução da Síria e do papel que tem na luta contra o terrorismo em países como o Mali, o Iémen e a Somália.

Steven Metz acredtia que a ONU pode sobreviver a quatro anos de uma administração americana hostil, mas que será difícil se essa atitude se tornar a regra no país.

“Se o sucessor de Trump regressar à posição americana de manter a ordem global através do multilateralismo sempre que possível, pedidos para deixar a ONU voltarão para as franjas. Mas se o Trumpismo se tornar a nova norma, a organização será muito mais fraca e arrisca desaparecer por completo”, diz.

No dia seguinte ao anúncio do orçamento, o porta-voz de António Guterres disse que “cortes abruptos no financiamento podem obrigar á tomada de medidas que comprometem o esforço de reformas a longo prazo.”

A 12 de dezembro, no dia em que fez o seu juramento sobre a Carta das Nações Unidas, António Guterres disse que “o fundamental é ter um discurso muito aberto e muito franco, tendo em conta que os interesses dos Estados Unidos, que lhes compete defender, podem ser compatibilizados com os interesses globais que as Nações Unidas se propõem defender.”