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Um banho de vergonha

A falta de ética pode ser encontrada no fim de muitos raciocínios indagadores a respeito da desordem social

Quando em Outubro Rui Rio anunciou a candidatura à presidência do PSD dizendo que “a política precisa de um banho de ética”, que “o PSD não é nem será um partido de direita” ou que “quer reconciliar o partido”, é agora o novo presidente dos sociais democratas e líder da oposição.

Muitas mais declarações foram deitadas aos quatro ventos como, talvez, a mais “surpreendente”, porque, disse-nos, de forma convincente, que se o PSD não ganhasse as próximas eleições legislativas iria viabilizar um governo PS.

Mas de tudo o que disse, e não foi pouco, embora nem sempre de uma forma clara e profunda para levar os militantes do PSD a acreditarem que se tratava de uma verdadeira alternativa de poder, devo recordar, com algum sentido de revolta, porque incoerentemente, “que a política precisa de um banho de ética”. E digo isto porque não queria acreditar na notícia de primeira página do “Expresso”, no próprio dia das eleições directas, no partido. A notícia era brutal e deixou alarmados muitos militantes que aguardavam durante o mesmo dia ou nos mais próximos uns forte desmentido. Militantes fantasma na terra do Director de Campanha de Rui Rio.

A história conta-se em poucas linhas embora tenha preenchido quase uma página do “Expresso” com chamada de primeira página. Em Ovar, o presidente da Câmara e líder de campanha não consegue explicar que ao percorrer os cadernos eleitorais vamos encontrar militantes com quotas em dia mas que não moravam nas residências dadas como oficiais pelo partido. São centenas de casos para não dizer milhares. Ao ponto de na mesma “morada” serem referidos quase duas dezenas de militantes e nenhum ser conhecido nem sequer partilhar o apelido do dono da casa. Os “militantes fantasma”, segundo fonte insuspeita, verificam-se noutros concelhos e em situações mais ou menos semelhantes. Recorde-se que Salvador Malheiro não é a primeira vez que usa o concelho como sindicato de voto. Pois, de facto, foi um autêntico “banho de ética”...

Infelizmente, isto parece banal nos últimos anos do PSD. Estranho é que a notícia não foi desmentida nem pela campanha de Rui Rio nem pelo próprio jornal.

Infelizmente, existe a convicção de que, na ética, tudo é relativo ou subjectivo, encontra-se bastante difundida e muitas vezes, um tanto surpreendentemente, como é o caso, a par de atitudes de profunda arrogância moral.

Espero que além, de contrariar essa convicção, o futuro do partido possa inibir esta arrogância. É que esta atinge mais facilmente quem ainda não compreendeu como em muitas questões éticas, é difícil descobrir onde para a verdade.

Por isso, ao ler A Teoria dos Sentimentos Morais, verificar-se-á que o mesmo Adam Smith também aí escreveu que “o homem sábio e virtuoso está sempre disponível para sacrificar o seu próprio interesse privado ou interesse público da sua ordem ou sociedade. Ou, o que leva o generoso em todas as ocasiões, e o mesquinho em muitas, a sacrificar os seus próprios interesses aos interesses maiores de outros [...] não é o amor do vizinho, nem o amor da humanidade. É o amor pelo que é honroso e nobre, pela grandeza e dignidade, e superioridade dos nossos próprios caracteres”.

Respeitando os princípios éticos fundamentais, entendidos como conformes a uma sociedade virtuosa e composta por gente de bem, preocupada consigo, mas também com os seus concidadãos e a sua comunidade, e dominantemente orientada para o bem - é o que está em causa.

A falta de ética pode ser encontrada no fim de muitos raciocínios indagadores a respeito da desordem social, fruto de um liberalismo descontrolado que há no nosso país.

Às vezes, estas questões, levantadas no desespero ou na indignação da revolta, fazem-nos engolir em seco, dificultando a organização das ideias, para formular uma resposta honesta, coerente e que satisfaça.

Em quantas oportunidades já não tivemos vontade de concordar com a “revolta dos oprimidos”, instrumentando-os para a revanche e a busca da verdade e da justiça pelas próprias mãos.

Em mais de uma oportunidade, quem sabe, já não tive vontade a concordar com o mundo, afirmando que é ingenuidade ser honesto, porque o individuo puro é visto como um piegas, que só triunfa quem aplica golpes e procura, no puro estilo liberal de Gerson, levar vantagem em tudo?

A raiz desta estranha conjuração não está apenas naquela noção perversa de liberdade individual. Sua fonte se encontra principalmente no eclipse do sentido de verdade no homem.

O que se passou nas últimas eleições directas do PSD ultrapassa a lógica partidária e transformou-se num caso de polícia grave. Um crime hediondo que põe em causa a própria democracia. Diz-nos que a credibilização dos políticos terá de passar pela abertura e pela relação transparente com a sociedade.

De facto, o homem moderno é oprimido por uma série de variáveis que o aprisionam, que cerceiam a sua liberdade, que o impedem de progredir, de ascender a ideais mais altos.

Diante deste quadro tão dramático de cativeiro, parecem cada vez mais distantes quaisquer perspectivas de mudança ou libertação. Por mais optimista e esperançosa que a pessoa queira ser, as derrotas do dia-a-dia conseguem torná-la céptica, apática. Nesta análise histórica do homem cativo do seu semelhante fica-nos uma ética sem verdade e um banho de nada que nos envergonha.