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Greves e Protestos

Os últimos tempos têm sido marcados por notícias de greves e protestos, fenómenos diferentes em escala mas reveladores do mesmo: a incapacidade/incompetência de uma entidade superior responsável na resposta às necessidades do(s) grupo(s) que controla. Coincidentemente ou não, os casos de que venho falar hoje têm o mesmo tipo de responsável – o Estado.

O direito à greve e ao protesto são, nos dias de hoje, dotados de ambivalência por parte do discurso público, no sentido em que, enquanto metade diz “vão mas é trabalhar”, a outra metade diz “é bem feito, força! (protestantes)”, tornando-se ambas as posturas numa espécie de tabú.

Para mim, contudo, ambas as posições são válidas. Enquanto Portugal lida com a greve dos guardas prisionais, a França mergulha e “desmergulha” em estados de emergência perante os protestos dos “Coletes Amarelos”. Ambos têm os mesmos atores: trabalhadores vs Estado, em que quem inicia o conflito é o Estado por via de negligência.

Primeiro, os nossos. Os guardas prisionais e a sua greve com o objetivo de serem equiparados à PSP, enquanto entidade profissional (mais destacadamente orientada para a atualização das tabelas remuneratórias e a estrutura da carreira). Como consequência, tem-se verificado o aumento da tensão nas prisões, o que acabou por resultar em dois motins (pelo menos). Ora, isto suscitou por parte do povo, pelo menos aquele mais vocal, um descontentamento com os ditos guardas, nomeadamente por parte de familiares de reclusos que defendem em televisão pública que os guardas prisionais proíbem a entrada de diversos objetos, como cigarros, promovendo, deste modo, e intencionalmente, estas situações de motim, a fim de “entrar por lá dentro à batatada”.

Apoiando a corrente do “bem feito, força!”, relembro que, na prisão, é suposto se manterem apenas os direitos básicos dos reclusos, entre eles a dignidade (derivada tanto da ética como da utilidade para a reabilitação), nada mais. Todos os direitos acrescidos podem ser considerados “regalias”. Os reclusos são ofensores condenados por tribunal e pela sociedade em geral e a colocação dos seus direitos sobre os dos não criminosos parece-me uma tentativa despropositada de diabolização da classe trabalhadora cumpridora, além de, em si, ser uma violação do sentido de justiça de qualquer um, visto que a pena tem a função de limitar parcialmente os direitos dos condenados.

Qualquer Estado Democrático tem que prever o direito à greve e ao protesto (pacífico) e neste sentido os guardas prisionais procuram a reivindicação dos seus direitos. Todavia, e apoiando a corrente do “vão mas é trabalhar”, o que aconteceria se os produtores de carnes, os pescadores e os empregados de supermercados decidissem fazer greve? Morríamos todos à fome? O que quero dizer com este exemplo exagerado é que mais uma vez os grevistas afetam o público e muito limitadamente o Estado em si. Neste sentido, é garantido o impacto público mas não a mudança de políticas.

No que toca aos protestos dos Coletes Amarelos, a situação é bem mais catastrófica e a meu ver irónica. Lembro-me ainda do medo da eleição de Le Pen, mas, paradoxalmente, foi Marcon que veio a adotar uma política de Margaret Thatcher em relação aos trabalhadores ao prejudicá-los com aumentos dos preços dos combustíveis e o dano causado pelos impostos nas classes médias e baixas. Um símbolo de falhanço governamental em que concordo mais com os protestantes do que com o Estado. Mesmo assim muitas críticas podem ser apontadas aos meios pelos quais os protestos são realizados, cujos resultados imediatos são vandalismo e agressões desproporcionadas e verdadeiramente ilegais contra quem nada tem a ver com o problema.

Dentro da lógica de oposição ao Estado, assumo uma postura antipolíticas francesas tendo em conta que o Estado “ilegitimiza” a sua posição enquanto entidade reguladora ao não procurar uma posição de adaptação mas sim uma repressão total. A este propósito, chamaram-me a atenção para as semelhanças entre as patrulhas realizadas durante o período de dominação da Polónia pela já (felizmente) falecida URSS e as que atualmente ocorrem em França, sendo a única diferença a bandeira autoritária que se vê nos veículos de controlo de multidão: antes víamos a foice e o martelo agora vemos o círculo estrelado (símbolo da União Europeia).

Assim, como é possível ver, muitas podem ser as posições assumidas em relação às temáticas grevistas que, apesar de compostas tanto por defeitos argumentativos como por lógicas indiscutíveis, demonstram a tentativa de equilíbrio da rivalidade entre o Estado e o Povo, acabando por pender para o interesse próprio do Estado ou para o populismo extremado. Entre um e outro, venha o diabo e escolha.