Artigos

Bom ano para quem está condenado a morrer e a sofrer

Confesso que senti um soco no estômago, que as lágrimas me vieram aos olhos

Talvez este título choque, mas é impossível não ser tão crua e dura no texto que vos trago. No início desta nova década, esperava-se o politicamente correto com mensagens de esperança blá blá blá.... Infelizmente, não trago boas notícias para as vítimas de violência doméstica e abusos sexuais. Ainda esta sexta-feira, fomos “brindados “ com a notícia de que o tribunal da relação atenuou a pena de 14 para 7 anos, à mãe e ao companheiro que abusavam sexualmente da “sua” menina de 3 anos. E com coisas destas a acontecerem, andam os nossos representantes, de todos os partidos, na Assembleia da República, a brincar à política com estes temas. Deram entrada na Assembleia da República cerca de 15 iniciativas parlamentares que versam sobre estas matérias. Cada uma delas foi alvo de pareceres de várias entidades, desde a Associação de Apoio à Vítima, UNICEF, Conselho Superior de Magistratura, Ordem dos Advogados, etc etc, que deram sugestões de melhorias e inclusão de outras medidas.... Até agora, todas as que foram sujeitas a votação, foram chumbadas. Não se corrigiu, não se melhorou, não se apresentaram propostas de substituição. Tudo vai continuar na mesma. Como é meu apanágio e não gosto de falar de coisas sobre as quais não estudo, li todas as iniciativas, li todos os pareceres e ouvi as gravações das discussões dos projetos que já subiram a plenário e que estavam disponíveis na página do parlamento. E para que não restassem duvidas, ainda li alguns artigos científicos sobre as consequências dos abusos sexuais e violência domestica.

Confesso que senti um soco no estômago, que as lágrimas me vieram aos olhos, que nunca me senti tão envergonhada. Olhei para os meus filhos e imaginei o sofrimento de tantas crianças e, percebi que estão condenadas pela (in) justiça dos políticos deste país. Pensei nas vítimas de violência doméstica e nas que são perseguidas. Decididamente, acho que ainda não perceberam que as 35 mulheres e uma criança que morreram este ano vítimas de violência doméstica são o rosto visível de tantas outras, sujeitas a maus tratos, negligência e abusos sexuais, e que, a qualquer momento, podem vir a tratar-se de corpos sem vida. Gostava tanto de ter uma edição inteira de jornal para vos contar tudo. A demagogia, a surdez, o desvirtuamento da realidade da prática judiciária (que não procede muitas vezes como devia), a insensibilidade do apoio às vítimas por razões economicistas, a justificação irreal para a manutenção de penas brandas que nos envergonham e só fazem crescer o sentimento de impunidade dos criminosos.

Talvez se tivessem pedido um parecer sobre o impacto e consequências da violência e abusos sexuais, à Ordem dos Médicos nomeadamente ao Colégio da Psiquiatria ou à Ordem dos Psicólogos, talvez se comovessem um bocadinho e percebessem a urgência de medidas. Se visitassem e falassem nas mulheres escondidas e “prisioneiras” com os seus filhos em abrigos por este país fora, percebessem a realidade. Se lessem estudos publicados e percebessem que as crianças vítimas ou que presenciam violência, tem 3x mais probabilidades de se tornarem nos próximos criminosos, talvez tivessem pressa em tentar prevenir e melhorar o futuro. Deixem-se se politiquices e juntem-se numa alteração penal que nos faça orgulhar enquanto povo. Estas crianças, as vitimas não tem TEMPO. Parem com as discussões estéreis a justificar porque nada se faz. Neste momento digo e repito: São os deputados da AR que tem as “mãos manchadas” com estes crimes.

Entre tantas outras coisas: Endureçam as penas pois não é admissível que a pena comece com menos de 3 anos, especialmente nos casos de abusos sexuais e violação; Obrigatoriedade de pulseira electrónica como medida preventiva e em alguns casos, mais graves e/ou com persistência de comportamentos, prisão preventiva até julgamento; Protejam e concedam apoios às vítimas, às crianças (obrigatoriedade de apoio psicológico); Acabem com as penas suspensas; Tornem obrigatório e imediato o testemunho para memória futura das crianças na presença de técnicos habilitados (neste momento não é cumprido o disposto na lei por alguns magistrados ou/e quando chamados a testemunhar já se passaram largos meses dos factos); Formação obrigatória para juízes e magistrados no Ministério Público que ficam com estes casos; Equipa de psicólogos especializados em terapia familiar e/ou clínica nos tribunais, em permanência, a apoiar os magistrados; Violência doméstica e crimes sexuais no seio familiar devem ser julgados nos tribunais de família e menores para que produzam efeitos imediatos a nível parental......

Às vítimas deste país, neste momento, apenas posso desejar sorte no novo ano, sorte porque só é isso que lhes vale: sorte no magistrado do Ministério Público e no Juiz atribuídos, para que vos protejam e façam o certo, sorte nos vizinhos e amigos que tiverem para vos darem apoio, sorte para o sítio que fugirem, sorte para que não morram num país onde tudo e todos falham.

A quem se interessa pelo que acontece naquela “casa nacional” que supostamente nos devia representar e defender, deixo-vos o link onde estão as iniciativas de que vos falo. Nestas matérias ninguém é inocente. Tenham estômago, muito estômago. BOM ANO DE 2020

https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43406