Artigos

Ação legítima

Lutar pelo respeito por preceitos laborais consagrados em lei é o que anima os professores

Lutar pelo respeito por preceitos laborais consagrados em lei é o que anima os professores na sua legítima pretensão em recuperar anos de trabalho não contabilizado, que o governo pretende suprimir na sua maior parte, mediante propostas flexíveis de faseamento estendido num tempo alargado. 7 anos foi o acordado com os docentes das regiões da Madeira e dos Açores. Se há alguém que está a ser irredutível nesta questão, não são por certo os professores... Nada que nos surpreenda. Temos memória de semelhante clima de confronto com a classe docente noutros governos, quando até se fazia gala de se ter perdido os professores, mas ganho a opinião pública...

Há um ponto inquietante na narrativa PM / Centeno, sobre a questão do aumento da despesa pública com a recuperação do tempo de serviço congelado dos professores, e que contrasta com a complacência do(s) governo(s) face aos sucessivos financiamentos à banca, ou a satisfação de contratos leoninos com PPPs, ou ainda o perdão de dívidas de certas elites empresariais, tudo em muitos milhões e acomodado pelo orçamento de Estado, e que parece tipificar uma dualidade de critérios. Só o cumprimento dos contratos públicos referentes a salários, carreiras, matéria laboral portanto, devidamente regulados por lei parece provocar desequilíbrios nas contas do Estado... podendo sempre ser suspensos, congelados, cortados ou até unilateralmente impostos, como se viu nas propostas do governo para os professores e outros corpos da função pública.

Uma razão maior obriga a serenamente afrontar a verdade oficial: É que o continuado desrespeito por direitos e as crises convenientemente orquestradas pelo capital financeiro estão a criar mais desigualdade e empobrecimento entre quem só tem o seu salário, cada vez mais magro, para viver com dignidade, e os alegados donos do bem-estar. E se, por um lado é preciso relembrar que, goste-se ou não, em democracia os sindicatos têm uma legitimidade instituída na História dos tempos modernos e consagrada na constituição, como organizações que pugnam pela dignidade no trabalho, por outro, há que ter em conta os novos contextos laborais, onde a precariedade, o desrespeito por condições de trabalho, e os baixos salários ditam a norma e comprometem o futuro das jovens gerações, pulverizando a noção de solidariedade de classe. O avanço da tecnologia, da automação, da robótica e da inteligência artificial cada vez mais coloca o trabalho entre a exploração, a redundância e a irrelevância, à escala global. Donde, talvez seja preciso repensar a luta sindical tradicional.

Já se percebeu a diferença na abordagem e a tolerância mediática, quando em causa estão salários ou questões financeiras. As recentes prestações de figuras sonantes em sede de comissões de inquérito parlamentar, quanto a situações de incumprimento de responsabilidades financeiras - cabendo depois ao cidadão contribuinte pagá-las, como se tem visto, - deixam até transparecer um certo sentimento de impunidade e total desrespeito pelos cidadãos, de quem parece achar-se acima da lei e da ética... Importa, por isso, questionar, discutir e insurgir-se contra posturas governativas e diretivas de Bruxelas em relação a exigências laborais, em nome das quais se está a sacrificar direitos dos cidadãos e a privilegiar os interesses financeiros e de grandes grupos empresariais, questionando ainda se não virá daqui a origem do populismo e radicalismo que poderão comprometer o projeto europeu original. Votar bem será talvez a última esperança...