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Portugueses em El Junquito resistem à espera de mudança na Venezuela

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A comunidade portuguesa em El Junquito, a cerca de 30 quilómetros de Caracas, não desiste, aguarda uma mudança na Venezuela, resistindo às dificuldades. Admite que as portas do comércio estão abertas só para passar o tempo.

A localidade já foi um destino turístico muito concorrido. Todos dizem que era normal haver filas de carros a atravessar o centro da povoação, em busca de petiscos (famosas parrillas - carnes fritas) e uma atmosfera de montanha mais agradável.

Sexta-feira estava tudo muito diferente. Comércio quase todo deserto, a estrada principal cheia de esgoto, cheirava mal e com empregados de restaurantes muito agressivos a meterem-se à frente do carro quase a obrigar as pessoas a irem ao seu estabelecimento, sinal do desespero.

Encontrar portugueses ou lusodescendentes na povoação não é difícil. A maioria é proveniente da Madeira e encontraram naquele ambiente de montanha alguma semelhança com as terras onde nasceram.

Lucy Torres gere com o marido, galego, Elias, o estabelecimento das parrillas. Está vazio. Nem um cliente. Lucy já nasceu na Venezuela mas os pais eram de S. Jorge, nos Açores, e o marido de Pontevedra. Fala-nos de uma situação “horrível”. Diz que nunca viveu tamanha crise. Queixa-se de tudo. Que não há internet, cortaram os telefones fixos, eletricidade falha muitas vezes. “Já estivemos quatro dias sem luz, perdemos a carne toda que estava no congelador”.

Sobre a atual crise no país, o casal fala em uníssono: “Mantêm o povo oprimido e dão-lhes uma caixinha de comida”. Isto para justificar que muitas pessoas não se manifestam nas ruas porque, apesar de ser pouco, sempre é alguma coisa. E “quem protesta, perde o direito aos subsídios”.

Em El Junquito é tudo muito pior, porque está afastado da grande cidade. “A ambulância não funciona, os bombeiros não têm nada, no hospital não há sequer material hospitalar para curativos simples como tratar uma ferida”.

Elias está visivelmente deprimido com a vida que leva: “O pior de tudo é que já nos habituámos a viver nisto. É uma ditadura.” Aponta para as lojas do lado, todas fechadas. “Eram de galegos, foram todos embora, desistiram!”

Uns 50 metros à frente, uma loja de bebidas. “Silvano Fernandes, mas é com ‘s’ não é com ‘z’ porque o meu nome é português”, diz com orgulho, lembrando que já nasceu na Venezuela, mas os pais são da Madeira.

Pega em várias garrafas e mostra os preços. “Está a ver este rum? Eu vendia a sete mil bolívares em dezembro, hoje eu compro cada garrafa a 130 mil”.

Explica que antigamente tinha consumidores para todo o tipo de bebidas. “Isto estava sempre a abarrotar de gente”. Hoje está às moscas. E os clientes que aparecem têm sempre uma pergunta na ponta da língua: “qual é a bebida mais barata que tem?”.

Tem de mudar os preços das garrafas duas vezes por semana, dada a hiperinflação. “Compro hoje a um valor, três dias depois custa o dobro”.

Fica indignado ao pensar como é possível que as pessoas vivam com salários incrivelmente baixos. O salário mínimo, que em maio aumentou para 40 mil bolívares, é equivalente a uns 5 dólares. “Acha normal? Uma pessoa chegar aqui com o salário de um mês e isso dar para comprar uma garrafa grande de Coca Cola?”

João Lopes, natural do Faial, Santana, na Madeira, dono de um supermercado na rua principal, repete em cada frase: “Eu adoro este País”.

“Fome não passo mas isto não está nada bom. Esperamos que isto um dia mude e a Venezuela volte a ser como foi, ou melhor”.

Enquanto conversa com a equipa de reportagem da Lusa, não entra uma única pessoa. Diz que pode estar assim horas. Metade das prateleiras estão vazias. Lembra que tudo começou a piorar com a presidência de Nicolás Maduro. “Até aí as coisas andavam, os preços eram razoáveis. Hoje em dia, manter um negócio...”

Mantém a porta aberta porquê? “Para estar aqui nem que seja a passar o tempo. É triste. Mas só quem é forte aguenta isto”.

No entanto, João Lopes mantém a fé. Diz-se convencido de que a Venezuela voltará “a ser como era ou talvez melhor do que era”.

Quando é questionado sobre o preço de uma lata de Cerelac que tem ai seu lado, diz revoltado: “Esta lata tem 400 gramas e custa 44 mil bolívares. Um ordenado mensal não dá para pagar isto. Mas falta o leite e tudo mais que uma criança precisa. Como vão criar os miúdos?”

Em relação aos venezuelanos diz que em parte nenhuma do mundo um povo aguentaria o que este povo está a passar.

A Conselheira das Comunidades Portuguesas, Maria de Lourdes Almeida, conta-nos que ofereceu toda a criação que tinha, galinhas e coelhos, porque a ração também é cara. Mas tem quatro cães e teve que comprar ração para porco porque a ração dos cães é caríssima, inacessível.

Sobre a comunidade, diz que a maioria são mais velhos, estão na agricultura ou comércio e que estão a aguentar-se com dificuldades, mas que os seus filhos estão todos a emigrar.

Ficam só aqueles que continuam com as coisas que não podem deixar. E continuam na agricultura.

“Temos um clima de muita incerteza. Todos os que aqui vivemos não temos um panorama concreto do nosso futuro”, afirma a conselheira, lamentando as dificuldades que existem na área da saúde.

“A questão médica continua a ser muito grave. Nos medicamentos, na assistência os hospitais estão muito deteriorados, as pessoas têm de ir para clínicas particulares e isso está a um preço elevadíssimo, porque essas clínicas estão a cobrar em dólares”, afirma.

No caso dos portugueses e lusodescendentes, os que podem, quando há problemas de saúde emigram para Portugal.

Sobre o futuro diz que todos esperam que a Venezuela “possa voltar a ser a Venezuela que já foi”.

No Bar Restaurante Popular, José Manuel Abreu mostra com orgulho uma fotografia com as suas três filhas, mas lamenta que uma delas já esteja a insistir que têm de ir embora: “Que estamos a fazer aqui papá?”.

Pede desculpa pelos maus cheiros na rua e explica que já se juntaram vários comerciantes e pagaram a uma empresa privada para resolver o problema. Mas a autarquia não deveria resolver? “Não pense nisso. Não vem ninguém. Se não formos nós a mexer-nos...”

Lembra com alguma saudade quando tinha o restaurante cheio de gente a ver os jogos de futebol das equipas portuguesas. Isso acabou. Vai tendo alguns clientes, mas nada a ver.

“Trabalhamos só para manter a família” diz, contando que o normal era contratar três vezes mais empregados para os fins de semana, mas que isso acabou.

“Tenho sempre presente um possível regresso a Portugal, mas ainda tenho esperança. É um País maravilhoso”, conclui.