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Iémen, país em guerra, recebeu mais migrantes em 2018 do que a Europa por mar

Uma dura realidade que tem passado ao lado

Migrantes resgatados na sexta-feira ao largo da ilha de Gran Canaria.  Foto REUTERS/Borja Suarez
Migrantes resgatados na sexta-feira ao largo da ilha de Gran Canaria. Foto REUTERS/Borja Suarez

No ano passado, chegaram mais migrantes ao Iémen, um país em guerra civil, do que por mar à Europa, disse no sábado a subsecretária geral da ONU para os Assuntos Humanitários, Ursula Mueller, de visita ao vizinho Djibuti.

“Estão 40 graus e o sol queima, e não têm água e estão a caminhar pelo deserto. É muito duro e muitos não conseguem” chegar, disse Ursula Mueller, em entrevista telefónica à agência espanhola EFE, a partir do Djibuti, país que visitou esta semana e onde foi testemunha desta rota menos conhecida de migração.

Entre 300 a 600 migrantes, sobretudo etíopes, chegam diariamente ao Djibuti, situado estrategicamente no acesso ao Mar Vermelho, para tentar depois alcançar a Arábia Saudita, numa “viagem perigosa” que os obriga a sobreviver a uma viagem de barco -- durante a qual muitos morrem por asfixia - e, posteriormente, a atravessar o Iémen.

“Há mais migrantes a ir para a Península Arábica do que para a Europa”, disse a subsecretária.

A responsável explicou que o tema migratório é complexo e está cheio de diversas motivações, existindo razões políticas para que esta rota não seja tão conhecida como a do Mediterrâneo.

“Há pressão para que este tema não seja público”, afirmou.

Em 2018, um total de 150.000 migrantes chegaram ao Iémen, sobretudo com origem na Etiópia, segundo os dados divulgados por Mueller.

Em comparação, somadas as chegadas por mar a Itália, Malta, Chipre, Espanha e Grécia e as chegadas por terra a estes dois últimos países em 2018, de acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o total é inferior - 141.472.

Os dados de 2019 seguem a mesma linha, já que nos seis primeiros meses do ano foram registados 84.000 movimentos migratórios para o Iémen, enquanto as chegadas à Europa, entre janeiro e setembro (inclusive), foram de 78.826.

Mueller visitou o Djibuti para avaliar o impacto da crise climática neste país do Corno de África, um dos que mais sofre com as alterações climáticas e com a seca, com temperaturas que, por vezes, alcançam os 50 graus.

Apesar destas condições, 45% dos migrantes atravessam o país a pé.

Segundo a responsável, a maioria faz o trajeto por motivos económicos.

“Eles não encontram oportunidades na Etiópia e existem redes que lhes dizem que existem oportunidades [na Arábia Saudita], mas não lhes dizem que é uma viagem perigosa e que muitas pessoas morrem no caminho”, acrescentou, salientando que “o Iémen não é, desde logo, o destino desejado”.

No Iémen, num pico de chegada de imigrantes antes da celebração do Ramadão, entre 27 de abril e 03 de maio deste ano, mais de 5.000 pessoas foram detidas e concentradas em dois estádios de futebol e num campo militar, o que foi considerado um primeiro passo para os tão temidos campos de detenção de países como a Líbia.

Os que conseguiram chegar à Arábia Saudita enfrentam também deportações em massa e só este ano as autoridades deste país devolveram pelo menos 57.843 etíopes ao país de origem.

O Djibuti, um país pequeno e estável numa zona em conflito, tem já cerca de 100.000 migrantes permanentes, além dos que o atravessam diariamente, pelo que um em cada 10 habitantes é estrangeiro, salientou Mueller.

Tem ainda reconhecidos 30 mil refugiados ou requerentes de asilo, aos quais atribui os mesmos direitos dos djibutianos no acesso à saúde e à educação.

No entanto, é um país afetado pela emergência climática e pela seca, pelo que um terço da sua população está em situação de insegurança alimentar, com consequente “aumento das doenças e das taxas de má nutrição”, assegurou Mueller.