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Da Universidade para a Região

A construção do novo Hospital Central Universitário da Madeira domina, e com razão, muitas das nossas conversas sobre o futuro da saúde na região. É natural que, ao vermos surgir uma licenciatura em Engenharia Biomédica na Universidade da Madeira, associemos de imediato a esta nova infraestrutura. A lógica parece simples: um hospital novo precisa de gente nova para trabalhar com os (novos) equipamentos que lá existirão. Mas será que este curso é apenas uma resposta à necessidade de ter técnicos para o novo hospital?

Ao ouvir os responsáveis pela proposta de criação do curso (professores Morgado Dias e Sergi Bermúdez), no programa Peço a Palavra da Académica da Madeira, em parceria com a TSF Madeira, percebi que reduzir esta iniciativa a uma mera resposta ao hospital é perder de vista o mais importante. A verdade é que este curso não é uma consequência. É uma causa. É o resultado de mais de uma década de investigação e de projetos que já geraram conhecimento e tecnologia na nossa Universidade.

Um dos sinais de que esta aposta foi certeira está na resposta dos candidatos: num ano de descida geral nas colocações, a Engenharia Biomédica na UMa preencheu 77% das suas vagas, mostrando que há uma clara procura por esta área. E sem falarmos dos concursos especiais.

A verdadeira estratégia da proposta revela-se neste ponto. O curso assenta na multidisciplinaridade, juntando áreas como a química, a biologia, a computação e a eletrónica. Mais importante, fá-lo em estreita colaboração com estruturas da UMa como o CQM, o ITI/LARSyS e o NOVA-LINCS; mas também com a região. As parcerias com o SESARAM e com outras entidades de saúde mostram que a missão da Universidade está alinhada com a da Região. E assim deve ser. A missão é criar conhecimento com impacto real na Região, focado em resolver os problemas que nos afetam hoje e que nos afetarão amanhã. O envelhecimento da população é um exemplo disso.

Todos sabemos que a Madeira não pode competir na produção global em massa. Mas pode competir, e vencer, no mercado do conhecimento. Temos de aceitar que o nosso maior produto de exportação pode ser, na verdade, a inteligência. E este curso é uma ferramenta para isso. Quando se fala em desenvolver aqui uma câmara de endoscopia ou usar realidade virtual para reabilitação personalizada, não estamos a falar de ficção científica. Estamos a falar de um modelo económico de alto valor que já funciona. Este é o caminho.

Contudo, para que este caminho seja possível, a própria ideia de ensino superior tem de evoluir. Que tipo de profissional queremos formar para o futuro? Queremos alguém que saiba executar uma tarefa que hoje existe, mas que amanhã pode ser automatizada? Ou queremos alguém com ferramentas para resolver problemas que ainda nem sequer surgiram? Este curso aposta claramente na segunda opção. Não promete um emprego. Promete competências. E exige do aluno não que decore, mas que tenha curiosidade, espírito crítico e vontade de descobrir.

No meio de tudo isto, ficam as pessoas. Ficam os professores que, para além de darem aulas e de investigarem, dedicam centenas de horas a escrever propostas de centenas páginas para que projetos como este saiam do papel. Muitas vezes, lutam contra um sistema que não lhes dá os recursos necessários. E mesmo assim conseguem vingar. Portugal precisa de olhar para estes exemplos e perceber, de uma vez por todas, que o investimento em ciência não é um luxo. É a única estratégia viável para o futuro.

O futuro da Madeira está, entretanto, a ser desenhado hoje, nos laboratórios e nas salas de aula da nossa Universidade. E a Engenharia Biomédica é, sem dúvida, mais um passo para tal.

O episódio do Peço a Palavra está disponível na TSF Madeira e nas principais plataformas de podcast. Convido-vos a dedicar alguns minutos a escutá-lo.