Quando o silêncio deixa de ser a única testemunha
Quando a violência acontece dentro de quatro paredes, quem protege a vítima se não houver testemunhas? A violência doméstica é um crime público em Portugal, mas provar agressões nem sempre é fácil. Em muitos casos, o silêncio da vítima ou o medo de denunciar tornam a prova quase impossível. É aqui que as filmagens de câmeras de vigilância podem fazer a diferença.
Uma imagem pode ser a diferença entre justiça e impunidade. Vítimas recorrem cada vez mais a gravações caseiras ou câmeras de segurança para documentar agressões. Mas há quem questione se estas filmagens respeitam a privacidade e se são realmente válidas em tribunal. A resposta não é absoluta e depende de vários fatores.
O Código Penal português permite que a violência doméstica seja processada mesmo sem queixa da vítima, mas o tribunal analisa com rigor cada prova apresentada. Para que uma gravação seja aceite, é necessário que seja autêntica, não manipulada e relevante para o caso. Gravações feitas pela própria vítima, em defesa ou proteção própria, têm sido cada vez mais reconhecidas como prova válida, especialmente quando demonstram agressão ou ameaça clara.
No entanto, o debate ético continua. Por um lado, há o direito à privacidade; por outro, está a necessidade de proteger vidas e garantir justiça. Não podemos permitir que a preocupação com formalidades legais silencie a verdade de quem sofre. O risco de manipulação existe, mas deve ser avaliado pelo tribunal, não servir de desculpa para ignorar evidências de violência.
Quem cala perante a violência contribui para que ela continue. A sociedade deve apoiar e encorajar mecanismos que permitam às vítimas documentar agressões, sem medo de retaliação ou de que a prova seja rejeitada automaticamente. A lei existe para proteger, mas só funciona quando todos nós a usamos de forma consciente e responsável.
A realidade é clara: filmagens de câmeras de vigilância não são apenas imagens — são um grito por justiça, uma forma de tornar visível aquilo que muitas vezes se quer invisível. Se queremos combater a violência doméstica, precisamos garantir que a verdade não fique silenciada pelas paredes do medo.
António Cartaxo