Nudez: Arte ou provocação?

Parece que recentemente, uma sessão fotográfica numa praia de Machico causou burburinho: uma mulher nua, deitada na areia, serviu de musa para uma publicação qualquer, provavelmente para alguma revista. Logo se levantaram vozes conservadoras, reclamando de falta de decência e de afronta aos valores locais.

Até a presidência da câmara municipal veio a público condenar o episódio, evocando as “tradições reservadas” da comunidade.

Mas convém perguntar: será que estamos mesmo perante uma ofensa, ou simplesmente diante de arte?

A fotografia sempre usou o corpo humano como expressão estética. Desde o Renascimento, a nudez deixou de ser vista apenas como pecado para se tornar símbolo de beleza, de fragilidade, de naturalidade. Pintores, escultores e fotógrafos exploraram — e exploram — essa linguagem intemporal.

Uma sessão fotográfica na praia, mesmo com nudez, não retira dignidade ao espaço público, nem põe em causa a identidade cultural de região. Pelo contrário, mostra como a arte contemporânea procura dialogar com a natureza e com os cenários que nos são familiares. O corpo e a paisagem fundem-se num só, criando imagens que não ofendem, mas antes convidam à reflexão.

O choque não vem da nudez em si, mas da forma como olhamos para ela. Onde alguns veem provocação, outros veem criação artística. Onde uns encontram ofensa à moral, outros reconhecem uma homenagem à beleza natural do corpo humano.

Reprimir a arte em nome da “decência” é um gesto que nos remete a tempos de censura que julgávamos já ultrapassados.

A verdadeira riqueza de uma comunidade mede-se também na sua capacidade de dialogar com expressões diferentes, mesmo quando fogem ao habitual.

Machico não perdeu nada com esta sessão fotográfica. Pelo contrário: ganhou visibilidade, ganhou debate e mostrou que ainda sabe provocar emoção — a essência da boa arte.

António Rosa Santos