A culpa é do TVDE

Todos os dias, milhares de viaturas de rent-a-car circulam pelas ruas do Funchal e por toda a ilha. Ocupam grande parte do espaço viário e do estacionamento, frequentemente conduzidas por turistas pouco habituados às particularidades da nossa rede rodoviária. O resultado é visível: congestionamentos constantes, estacionamento desordenado e acidentes que paralisam a mobilidade. Contudo, de forma quase automática, repete-se a mesma sentença: a culpa é do TVDE.

Na via rápida, os acidentes envolvendo carros de aluguer tornaram-se parte da rotina. Entradas mal calculadas nos nós de ligação, ultrapassagens arriscadas em zonas de visibilidade reduzida, travagens inesperadas nos túneis — tudo isto contribui para um cenário de risco diário. Ainda assim, quando se procura um culpado pelo caos rodoviário, a narrativa insiste: a culpa é do TVDE.

Nos locais de maior interesse turístico — Cabo Girão, Pico do Areeiro, Santana, Monte, Câmara de Lobos — a realidade repete-se. Filas intermináveis, estacionamentos lotados e acessos congestionados. O peso esmagador das viaturas de rent-a-car é incontornável. Mas, uma vez mais, prefere-se a explicação mais fácil: a culpa é do TVDE.

Este discurso simplista revela um problema maior: a falta de coragem em assumir que a pressão sobre a mobilidade da Região não está apenas nas plataformas digitais de transporte, mas sobretudo no excesso de oferta de viaturas de rent-a-car, numa ilha com capacidade limitada de infraestruturas rodoviárias.

A acusação de que o TVDE é o responsável pela perda de clientes dos táxis carece igualmente de rigor. A realidade é bem mais complexa. Além do rent-a-car, existem ainda as empresas de animação turística, que conquistaram uma fatia considerável do mercado, transportando visitantes directamente para as suas actividades. Há também mudanças no perfil do turista, cada vez mais autónomo e inclinado a explorar a ilha por conta própria.

Não podemos, portanto, continuar a reduzir o debate a um falso dilema: táxi contra TVDE. O TVDE não é — nem de perto — o principal responsável pela diminuição de clientes dos táxis. É apenas um operador adicional num mercado que já enfrentava desafios profundos antes da sua chegada.

Se não houver uma estratégia integrada de mobilidade, que envolva todos os sectores — táxis, TVDE, rent-a-car e animação turística — continuaremos a assistir ao mesmo cenário: estradas saturadas, conflitos entre operadores e uma percepção negativa por parte dos visitantes.

No fim, a pergunta impõe-se: até quando iremos fingir que a raiz do problema não está nos milhares de viaturas de aluguer que circulam diariamente pela ilha, e preferir culpar algumas centenas de veículos TVDE?

Valter Pereira