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Histórias perdidas

A emigração madeirense dos séculos XIX e XX marcou profundamente a vida das famílias e a própria identidade da ilha. Muitos partiram sem nunca mais dar notícias, deixando para trás não apenas a terra natal, mas também laços familiares que se perderam no silêncio.

A realidade da emigração de outrora era muito diferente da atual. Nos inícios do século XX, não existiam os meios que hoje permitem manter contacto frequente. A única forma de ligação com os que ficavam era a carta. Muitas vezes escrita com esforço, entre lágrimas de saudade e a fadiga do trabalho árduo em terras estranhas, essa correspondência podia demorar meses a chegar. Quando finalmente alcançava o destino, muitos dos familiares não sabiam ler nem escrever, e tinham de pedir ajuda a vizinhos, familiares ou ao pároco da freguesia para compreender e responder às mensagens recebidas.

Ao longo de décadas, muitas famílias madeirenses viveram na incerteza. Houve quem recebesse notícias esporádicas, e houve quem nunca mais soubesse dos seus.

Um desses casos é o de António Joaquim de Sousa, natural de São Roque do Faial. Após ter servido durante sete anos na Marinha Portuguesa, decidiu, aos 27 anos, procurar um novo rumo para a sua vida. Partiu da Fajã do Mar, na freguesia do Faial, local de onde, nessa época, zarpavam pequenas embarcações para levar os emigrantes até aos navios. O seu destino era a cidade de Nova Iorque. Os registos confirmam que chegou a 5 de fevereiro de 1913, a bordo do navio Adriatic.

Nos primeiros tempos na América, António ainda escreveu algumas cartas para a família e enviou dinheiro, o que permitiu ao pai comprar uma vaca e garantir o sustento do lar. Porém, de repente, a correspondência cessou. Nunca mais chegou uma carta, nem notícia alguma. Os pais morreram sem saber o que lhe teria acontecido, vivendo até ao fim na incerteza.

Seria necessário esperar mais de cem anos para se desvendar o mistério do seu desaparecimento. Através da consulta dos registos do California Death Index, foi possível confirmar que António Joaquim de Sousa faleceu em setembro de 1920, na cidade de San Bernardino, Califórnia, provavelmente vítima de um acidente. A notícia da sua morte nunca chegou à Madeira, deixando a família sem qualquer informação sobre o seu destino.

Quantas histórias ficaram sem desfecho? Famílias inteiras viveram entre a esperança e a angústia, esperando por uma carta que nunca chegou.

Estas histórias de ausência, silêncio e perda fazem parte da memória coletiva da Madeira. Testemunham não apenas a dureza da emigração, mas também a resiliência de um povo que, apesar das dificuldades, procurou sempre melhores condições de vida além-mar.