É a primeira vez que cidadãos estrangeiros são agredidos por grupos locais na noite funchalense?
Dois jovens nepaleses foram brutalmente agredidos numa praia do Funchal durante a madrugada de quinta-feira. Alegadamente quatro indivíduos abordaram-nos, exigiram que entregassem os seus bens e, perante a resistência, responderam com violência. Um dos assaltantes terá empunhado uma faca e atingiu uma das vítimas no rosto. O telemóvel da segunda vítima foi roubado e atirado ao mar. Um turista britânico presenciou o ataque e acompanhou os jovens até à PSP, onde gravou um vídeo com os seus relatos e o divulgou nas redes sociais.
A repercussão foi imediata. As imagens do rosto ensanguentado de uma das vítimas correram os grupos digitais, acompanhadas pela indignação do denunciante: “Porquê estas pessoas? É doentio!”, exclamou. A violência, gratuita e dirigida a trabalhadores imigrantes, chocou os nossos leitores. Mas levantou uma questão mais profunda: terá sido esta a primeira vez que algo semelhante aconteceu na noite funchalense? Fomos ver.
Uma análise a casos anteriores mostra que não. Há registo de agressões semelhantes, com características quase idênticas, ocorridas na cidade nos últimos anos, de resto esse rasto noticiado pelo DIÁRIO.
Então vejamos.
Na madrugada de 6 de Dezembro de 2023, dois jovens estrangeiros foram agredidos na Zona Velha do Funchal. Tinham 23 e 27 anos. Foram assistidos pelos Bombeiros Voluntários Madeirenses e transportados para o hospital. A agressão ocorreu por volta das três da manhã.
No mês seguinte, a 22 de Janeiro de 2024, mais dois estrangeiros foram atacados, desta vez na Travessa do Rego. Um deles ficou com um golpe profundo na cabeça, provocado por um pau. A PSP tomou conta da ocorrência.
Em Julho de 2024, a escalada de violência atingiu outro nível. Três cidadãos estrangeiros, dois deles nepaleses, foram esfaqueados em diferentes zonas da cidade. Os ataques ocorreram entre as 7 e as 10 da manhã, junto à Rotunda do Infante, na Rua Dr. Fernão de Ornelas e na zona do Almirante Reis. Os agressores, madeirenses, fugiram num autocarro e foram interceptados pela PSP nas Neves. Foram identificados e libertados.
Ainda nesse mês, outro caso alarmante: três nepaleses agredidos por mais de uma dezena de jovens junto a um bar na Rua das Fontes. A suspeita levantada pelas autoridades foi clara: incitamento ao ódio racial e violência contra imigrantes.
A 17 de Fevereiro de 2022, um casal de turistas estrangeiros foi agredido e assaltado perto do Bairro da Palmeira, em Câmara de Lobos. Tinham cerca de 60 anos. Ambos necessitaram de tratamento hospitalar.
Mais recentemente, a 29 de Novembro de 2024, uma briga na Zona Velha do Funchal foi filmada e divulgada online. As imagens mostram jovens em confronto físico, com vários estrangeiros envolvidos. A PSP foi chamada ao local, mas não foram conhecidas detenções.
E em 1 de Março de 2025, um novo episódio. Um turista foi atacado com uma garrafa na cabeça, em plena rua. Teve de ser assistido no hospital. Mais uma vez, as imagens correram as redes sociais, mas o caso perdeu destaque mediático em poucos dias.
Neste casos o padrão é nítido: cidadãos estrangeiros, atacados por locais, sobretudo jovens, quase sempre durante a noite ou madrugada, em zonas turísticas ou de grande circulação pedonal. A maioria das vítimas precisa de cuidados médicos. Muitas são imigrantes, outros turistas. E em quase todos os casos, os suspeitos ou não são apanhados, ou acabam libertados após identificação.
Estes episódios exigem uma reflexão sobre a percepção de segurança na Madeira — e no Funchal em particular — que, apesar de continuar a ser considerada uma Região pacífica e acolhedora, não está imune a fenómenos de violência urbana. Comparativamente a grandes centros urbanos, a criminalidade violenta permanece residual, mas o surgimento de casos com vítimas estrangeiras deve ser analisado com atenção.
Além do impacto imediato nas vítimas, há também um dano reputacional para a imagem da Região. Numa altura em que se promove a hospitalidade, a diversidade e a segurança como marcas distintivas da Madeira, a sucessão destes casos podem levantar questões sérias sobre a resposta a este tipo de casos.