É comum encontrarmos, nos espaços naturais, alguém a alimentar os pássaros selvagens. Nas redes sociais, são vários os vídeos e fotografias que provam essa tendência.
A procura pela Madeira nunca conheceu números tão elevados. São cada vez mais os turistas que escolhem a Região como destino de férias na ânsia de um contacto privilegiado com a Natureza.
Ora, com o aumento de pressão humana nos espaços naturais, multiplicam-se, também, os comportamentos desrespeitosos e que não estão em linha com as boas práticas. É disso exemplo o acto de alimentar a fauna selvagem, particularmente as aves. Algo que à partida seria conotado com uma boa acção é, afinal, condenável do ponto de vista ecológico.
Importa, pois, esclarecer os motivos que justificam as recomendações, algo que procuraremos fazer neste Explicador.
São muitos os turistas que visitam a Madeira que assumem fazê-lo pelas suas belezas naturais e pelo contacto privilegiado com a Natureza.
Mas, com o aumento da presença humana e, consequentemente, da carga sobre os espaços naturais, têm aumentado as acções que não alinham com o que se poderá designar de ‘bom comportamento’ e que contribuem para a protecção das aves e dos seus habitats.
Além dos turistas e dos residentes que teimam em não cumprir as regras, por vezes, os próprios agentes ligados ao sector, nomeadamente guias, nem sempre dão os melhores exemplos, levando os seus clientes à prática de actos menos adequados. Alguns – casos que são pontuais – levam consigo sacos de alimento para pássaros com a intenção de atrair, por exemplo, os tentilhões e proporcionar aos turistas um momento único.
Mas essas práticas não se coadunam com o usufruto da biodiversidade madeirense com o menor impacto possível. Isso mesmo aponta Cátia Gouveia, coordenadora regional da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), realçando a opção deve ser “interferir o mínimo possível na natureza”.
“Ao alimentarmos aves selvagens estamos a interferir com um ecossistema que está em equilíbrio, fomentando impactos que poderão ser difíceis de prever”, aponta a bióloga, salientando que essa acção é tanto mais prejudicial quanto pior for o alimento escolhido.
“Na maior parte das vezes, vemos pessoas a alimentar estas aves com bolachas e pão, produtos que não fazem parte da dieta destes animais”. Além disso, reforça que “as necessidades nutricionais das diversas espécies são distintas”, tomando como exemplo algumas das espécies mais emblemáticas da Região.
“Por exemplo, o bisbis é uma espécie insectívora e o tentilhão alimenta-se de sementes, plantas e pequenos invertebrados, dependendo da fase do seu ciclo reprodutor. Desta forma, ao alimentarmos artificialmente estes animais, estamos a dar-lhes uma espécie de ‘fast-food’ que terá influência na sua saúde e sobrevivência”, Justifica Cátia Gouveia.
Nesse sentido, a coordenadora regional da SPEA-Madeira complementa dizendo que “na nossa Região, as temperaturas amenas significam que, mesmo no Inverno, não faltam fontes naturais de alimento até para as espécies de aves que geralmente visitam comedouros noutros países. Desta forma, não é aconselhada a alimentação artificial de qualquer ave selvagem”.
Dar alimento pode altera rotina das espécies
Embora pareça um gesto inofensivo, alimentar as aves selvagens pode ter impactos significativos no ciclo e na vida das diferentes espécies, podendo, em situações limite, levar os animais à morte.
Cátia Gouveia aponta algumas das consequências, aspectos que são, também, notados pelo Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN):
- fornecer deliberadamente alimentos aos animais, a longo prazo, altera os seus padrões naturais de comportamento e os níveis populacionais;
- cria dependência e habituação ao contacto humano;
- alterar a fonte alimentar dos animais selvagens desencadeia implicações na saúde, como lesões e doenças, levando-os por vezes à morte;
- sabe-se ainda que, a agressão intra e interespécies da vida selvagem pode ocorrer nos esforços para obtenção de alimentos.
Da mesma forma, juntam-se aos impactos directos, outras consequências que não afectando directamente as aves em questão, criam desequilíbrios no ecossistema em que as mesmas se inserem.
A alimentação dos animais selvagens pode originar a maior presença de aves não nativas e de predadores não nativos, como ratos e baratas, que quanto mais comida obtêm, mais se conseguem reproduzir. Na prática, diz a responsável da SPEA, “pode mudar o equilíbrio de espécies na natureza, aumentando algumas espécies, em detrimento de outras”.
Contra-ordenação ambiental leve
Alimentar os animais selvagens pode constituir uma contra-ordenação ambiental leve. Isso mesmo é apontado no regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade (Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho).
Nesse diploma podemos ler que “constitui contra-ordenação ambiental leve, punível nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, a prática dos seguintes actos e actividades proibidos ou interditos e a prática não autorizada dos seguintes actos e actividades condicionados, desde que previstos como tal nos diplomas que criam ou reclassificam áreas protegidas, nos respectivos diplomas regulamentares ou nos regulamentos dos planos de ordenamento de áreas protegidas”, nomeadamente “a prática de quaisquer actos que perturbem a fauna selvagem, incluindo a prestação de alimentos”, na alínea i) do número 3, do artigo 43.º.
A par dos diplomas aqui referido, será de ter em conta, também, os diferentes estatutos de protecção dos espaços naturais em causa, nomeadamente quando se tratem de ZEC (Zona Especial de Conservação) e ZPE (Zona de Protecção Especial), bem como as directivas internacionais relacionadas com estas matérias, como sejam a Directiva Habitats ou Directiva Aves.
Nesse sentido, o desconhecimento das consequências aqui apontadas não pode servir de justificação para a continuação destas práticas, sobretudo quando concretizadas por profissionais do sector do turismo, cuja conduta deve ser exemplar.
Na sua página oficial, o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza tem vindo a sensibilizar para a necessidade de não alimentar os animais selvagens. A par disso, em vários espaços naturais, aquele organismos tem vindo a colocar alguns cartazes a alertar para essa proibição.
"Os animais selvagens não precisam que os alimentem!", refere o IFCN, acrescentando que "a prática de dar alimento aos animais está muito generalizada, e muitas vezes desconhece-se que este comportamento humano altera os padrões naturais da vida animal e até pode conduzi-los à morte".