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Fact Check Madeira

Será que os motoristas dos ‘HF’ dependem da receita dos passes e bilhetes para sobreviver?

Foto Facebook 'Horários do Funchal'
Foto Facebook 'Horários do Funchal'

A greve dos motoristas dos autocarros da empresa ‘Horários do Funchal’ está na ordem do dia, dada a sua elevada adesão e impacto na vida social e económica da Madeira. Nas reacções às notícias sobre a paralisação, há muita gente que apoia a luta destes trabalhadores e compreende os seus motivos, mas também há quem os critique. Num comentário a uma notícia do DIÁRIO no Facebook sobre este assunto, o cidadão R. Ferreira ataca esta classe profissional e assegura que “se não fosse o povo a carregar os passes e a comprar os bilhetes”, os motoristas “iam pedir esmolas nas ruas do Funchal para levar comida” para as suas famílias e pagar as suas despesas. Será mesmo assim?

A empresa ‘Horários do Funchal’ é uma empresa de capitais 100% públicos (90% RAM, 10% EEM), que detém o Contrato de Concessão de Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros no Município do Funchal. Através de tal contrato, assinado em 2018, com uma vigência de 12 anos, a companhia de transporte colectivo de passageiros assume a prestação de obrigações de serviço público relativas ao nível da oferta de serviços e dos tarifários. Quer isto dizer que se compromete em garantir a realização de carreiras para determinados sítios e frequências de passagem de autocarros, independentemente da rentabilidade económica das mesmas e do número de passageiros que as utilizem. Também se obriga a praticar um tarifário acessível à generalidade da população. Para compensar a empresa pela realização deste serviço com obrigações públicas, deficitário à partida, o Governo Regional comprometeu-se, em 2018, a pagar-lhe 83,5 milhões de euros até ao ano 2029. Ou seja, um valor anual médio próximo de 7 milhões de euros.

Entretanto, esse contrato já sofreu oito adendas de alteração, por circunstâncias novas que afectaram o quadro de obrigações de serviço público, como sejam a pandemia de Covid-19 (que provocou uma quebra abrupta das receitas da empresa) e maiores benefícios atribuídos pelo Governo Regional à população na utilização dos transportes públicos e que obrigaram ao aumento das indemnizações compensatórias a pagar à ‘Horários do Funchal’. Sobre este último aspecto, ganha relevo a decisão de atribuír, no início de 2024, passe social gratuito para jovens e idosos. Estimava-se que esta medida implicaria uma quebra de receitas de 6 milhões de euros por ano para todas as companhias de transporte colectivo de passageiros da Madeira, a qual teria de ser compensada com o pagamento de indemnizações do Orçamento Regional. No caso específico da ‘Horários do Funchal’, uma resolução publicada em Dezembro passado autorizou o pagamento de 2,38 milhões de euros à empresa para a compensar da perda de receitas verificada em 2024 devido aos passes gratuitos de jovens e idosos. A mesma resolução determinou o pagamento de um acréscimo de 4,88 milhões de euros no ano de 2025.

Para retomar a questão abordada no mencionado comentário do Facebook, sobre o peso da receita de bilhetes e passes nas receitas globais da empresa sediada na Fundoa, temos de consultar o último relatório e contas que se encontra disponível, que é referente a 2023. Nesse ano, os subsídios e indemnizações atribuídos pelo executivo madeirense para compensar défices de exploração chegaram aos 3,8 milhões de euros. A venda de bilhetes e passes no serviço urbano (a componente do negócio que é abrangida pelas obrigações públicas) rendeu aos ‘Horários do Funchal’ uma receita de 12 milhões de euros. A borla de passes para idosos e jovens terá feito cair esse valor no ano passado. É muito provável que a venda de títulos de transporte continue a representar a fatia mais significativa de receitas da empresa pública.

Ainda assim, dada a existência de um contrato de serviço público que obriga o Governo Regional a cobrir, com transferências orçamentais de verbas provenientes da arrecadação de impostos, as eventuais quebras de receitas oriundas do serviço urbano, não corresponde à verdade dizer-se que a empresa ‘Horários do Funchal’ ficaria parada ou que os seus motoristas não receberiam salário caso os utentes decidissem deixar de “carregar os passes e comprar os bilhetes”. Aliás, a mesma conclusão se aplica ao serviço público de transporte colectivo de passageiros existente noutras regiões de Portugal e na maioria dos países. De modo a assegurar um equilíbrio da sociedade e o funcionamento da economia, a opção política mais comum passa pela promoção de serviços de transportes colectivos públicos financiados na medida do indispensável pelo Estado.

“Se não fosse o povo a carregar os passes e a comprar os bilhetes, vocês [motoristas dos Horários do Funchal] iam pedir esmolas nas ruas do Funchal para levar comida para as vossas famílias e pagarem as vossas despesas” - Comentário no Facebook