Deslocado (s)
Sandra Cardoso, Especialista em Comunicação, é a convidada de hoje da rubrica 'As Regionais vistas de fora'
“Um mar de genteO Sol diferenteO monte de betãoNão me provoca nadaNão me convocaCasa" NAPA
Não há madeirense que tenha rumado ao continente para estudar, que não se identifique com a letra dos NAPA, vencedora do festival da canção e representante de Portugal na Eurovisão, para nossa alegria coletiva.
Sinto a música como eterna deslocada, que rejubila quando aterra em Santa Catarina e se vê rodeada de azul, de céu e mar, sabendo que chegou. Casa. Mas mais do que isso leio-a na pauta do boletim de voto que os eleitores da Madeira e Porto Santo vão encarar pela terceira vez em ano e meio. Lê-se e parece mentira, mas assim é, nas circunstâncias conhecidas de todos e que faz dos madeirenses, residentes na ilha, deslocados na sua terra e cada vez mais longe da casa que devia ser da democracia. O que mudou em 10 meses? O que pode mobilizar os cerca de 118 mil eleitores (quase metade -46,6% - do total de votantes e pouco mais daqueles que votaram no Festival da Canção!) que optaram por não escolher, numa massa abstencionista, que não tem parado de crescer (só foi mais alta em 2015). E os que votaram, o que farão agora? Que escolhas sobram das escolhas que sempre fizeram?
Entre os que (re)clamam de uma sociedade civil aprisionada, mas que pouco contribuíram para a libertar, desperdiçando primaveras insulares, que se tornaram no tempo forrado de sempre. Os que atiram esparguete e ovos à francesa ao povo, mostrando que não é só com chá e bolos que se enganam os tolos e se enxota a oposição interna. Os que se casam com todos à primeira, à segunda e a terceira vista, sem olhar sequer ao registo criminal. Os que chegaram agora e os que já andaram tanto para chegar a lado nenhum. Tanta opção e tão parcas escolhas. É o que parece visto daqui. Ainda assim, é preciso votar. Sempre. A Madeira cristalizou. São mais deslocados os que nela residem dos que os que estão fora. É a terra mãe, que faz saudade a quem emigrou, mas que tem tardado a se fazer cumprir. A mudança é sempre de dentro e começa com uma vontade. Que a expressem. E que a respeitem. Um mar de gente e de votos a cruzar a esquina do Mundo e a abrir a janela sobre o mar.