É a pergunta para 1 milhão de euros: Como resolver as carências habitacionais na Madeira?
Em entrevista ao DIÁRIO, no mês passado, a agora presidente da Ordem dos Engenheiros da Madeira, Beatriz Jardim, apontava as cooperativas de habitação como um meio de acesso à habitação de custos acessíveis e controlados, “compatível com a carteira da maioria das famílias madeirenses”.
A construção de habitação ao nível do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a custos controlados, embora sendo importante parece ainda insuficiente e dificilmente abrange a classe média. Face à inexistência de uma alternativa robusta no mercado de arrendamento, pela ausência de políticas de incentivo, deve-se renovar uma fórmula de sucesso no passado, as cooperativas de habitação Beatriz Jardim, presidente da Ordem dos Engenheiros da Madeira
Leia a entrevista a Beatriz Jardim ao DIÁRIO:
De acordo com o Portal da Habitação, as primeiras cooperativas de habitação em Portugal surgem na passagem do séc. XIX para o XX, num contexto de acções populares e sindicais de reivindicação por melhores condições e com o propósito de disponibilizar habitações “económicas”.
A primeira cooperativa habitacional, a Cooperativa Popular de Construção Predial, é criada em 1894, em Lisboa e tinha por objectivo “adquirir terrenos para a construção de alojamentos”.
Segundo a mesma fonte, outra referência relevante é a Cooperativa Predial Portuguesa, criada em 1905 e que, quatro anos depois entregaria a chave da primeira casa. O objectivo desta era contribuir para a “construção de habitações económicas amortizáveis a longo prazo”. Apesar da 1.ª República apoiar o sector cooperativo, não garantia respostas efectivas para as condições deficitárias de habitação que atingiram de forma dramática, principalmente, os operários que chegam às cidades.
Após o golpe militar de 18 de Maio de 1926, e durante as quase cinco décadas seguintes, o apoio direccionou-se essencialmente para as cooperativas agrícolas. Ainda assim, o número de cooperativas de habitação aumentou, caracterizando-se por uma classe média com pouca formação associativa que utilizava a promoção cooperativa como uma forma económica de ter casa própria.
Em 1974 existiriam cerca de 60 cooperativas de habitação registadas, mas apenas metade estaria activa, e o número de fogos em falta no país ultrapassava os 500 mil. Uma em cada quatro famílias não tinha uma casa digna para viver.
O Governo Provisório enquadra como contributo fundamental, o “cooperativismo habitacional, convenientemente estruturado e com o apoio do Estado” no contexto da “resolução do problema habitacional” criando, o Regime Jurídico da Cooperação Habitacional através do Decreto-Lei n.º 730/74 de 20 de Dezembro.
Nos três anos seguintes, aumentam os processos de legalização das cooperativas, as escolhas e negociações de aquisição de terrenos, e demais procedimentos de projecto e construção. Em 1978 o número de Cooperativas de Habitação Económica aproximava-se das 200 e os seus inscritos aos 46.500. É então definido o apoio financeiro às cooperativas de habitação, cabendo ao Fundo de Fomento de Habitação (FFH) conceder “empréstimos com bonificação de juros a cargo do Estado”.
São desenvolvidos importantes projetos explorando conceitos inerentes à habitação em contexto cooperativo. Nos distritos de Lisboa e Setúbal surgem várias respostas coordenadas por Duarte Cabral de Mello, através do Grupo de Apoio às Cooperativas de Habitação (GACH). No distrito do Porto são também implementadas soluções diversas promovendo riqueza formal e espacial, fomentando a noção de bairro e de relações de vizinhança.
No início dos anos 80 o FFH é extinto e em 1984 é criado o Instituto Nacional de Habitação (INH), que herda a obrigação de apoiar as cooperativas. Tendo como interlocutor e apoio um organismo da administração central e com mais oportunidades de financiamento devido ao alargamento das “instituições bancárias habilitadas a conceder crédito às cooperativas de habitação”, alguns autores consideram a primeira década de existência do INH, a década das cooperativas de habitação.
Actualmente, num panorama de agravamento das dificuldades no acesso à habitação, as cooperativas são, mais uma vez, reconhecidas em várias iniciativas legislativas como entidades promotoras necessárias e complementares à resposta pública.
A título de exemplo refira-se a Cooperativa Habitacional Cortel que, em Dezembro de 2024 inaugurou um projecto habitacional com 48 fogos localizado nas proximidades do Madeira Shopping, em Santo António.
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O que são cooperativas de habitação?
As cooperativas de habitação apresentam-se como um meio de acesso à habitação de custos mais acessíveis e controlados. Nesta solução, as habitações são construídas ou adquiridas com o apoio do Estado.
Há cada vez mais pessoas à procura desta solução, porque o Estado concede um conjunto vasto de benefícios fiscais e financeiros a entidades (nomeadamente municípios, cooperativas ou empresas privadas) para criarem este tipo de solução habitacional.
Estas cooperativas visam principalmente: a promoção, construção ou aquisição de fogos para habitação dos seus membros e associados, existindo ainda como objectivo a manutenção, reparação ou remodelação destes imóveis.
As regras legais constam do Decreto-Lei n.º 502/99. Segundo este diploma, estas cooperativas visam ainda: “Contribuir para a melhoria da qualidade habitacional dos espaços em que se integram, promovendo o tratamento das áreas envolventes, incluindo as zonas de lazer”.
Há cooperativas constituídas apenas por um projecto. No entanto, há outras que apresentam uma actividade continuada.
São dois os tipos de propriedade dos fogos que vigoram no sistema cooperativo: propriedade individual e a propriedade colectiva.
- Na propriedade individual, o fogo pode ser transmitido pela cooperativa para o cooperador através de um contrato de compra e venda.
- Na propriedade colectiva, os fogos mantêm-se propriedade da cooperativa sendo cedidos aos cooperadores sob a forma de direito de habitação ou de inquilinato cooperativo.
Vantagens e desvantagens das cooperativas de habitação
O Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) consiste no organismo concebido para o desenvolvimento da habitação. Este organismo pode financiar até 80 por cento do custo de construção, desde que o imóvel seja destinado à habitação própria e seja construído a custos controlados.
O financiamento é realizado a uma taxa bonificada, bem inferior às taxas praticadas pelas instituições de crédito. Os custos de construção só são designados por custos controlados, quando não ultrapassam certos limites fixados por lei.
As cooperativas de habitação económica só conseguem aceder ao máximo de benefícios se respeitarem esses valores.
Existem ainda determinados benefícios fiscais a ter em consideração, uma vez que as cooperativas encontram-se isentas de IRC, IMI e IMT na aquisição de direitos sobre imóveis, destinados à sede e ao exercício das atividades que constituem o seu objeto social.
Os cooperadores (é desta forma que os membros das cooperativas são habitualmente chamados) encontram-se sujeitos a condições de financiamento idênticas às de aquisição de habitação própria e permanente.
PREÇOS MAIS ACESSÍVEIS
A compra de uma casa mediante uma cooperativa de habitação tem uma vantagem evidente: o preço. Através da adesão a uma cooperativa de habitação pode comprar casa a um baixo custo. Embora o preço seja tido como o principal aliciante, há outras contrapartidas a ter em consideração.
A grande vantagem da compra de casa mediante as cooperativas de habitação está no facto da habitação poder ser adquirida por um preço que pode ser 20 a 30 por cento inferior ao que é praticado pelos outros promotores. Ora, esta é uma vantagem particularmente agradável atualmente, num contexto de 'boom' no mercado imobiliário.
Este sistema também prevê que as prestações para a compra de casa sejam pagas à cooperativa, directamente. Desta forma, deixa de ser forçoso o recurso ao crédito habitação.
Se entrar como membro numa fase inicial do projecto, é ainda possível ter uma intervenção mais activa no modo como o empreendimento é desenvolvido, à semelhança do que acontece quando compra uma casa em planta.
DESVANTAGENS NA HORA DE VENDER CASA
A compra de uma casa mediante uma cooperativa de habitação também tem desvantagens.
Além de poder implicar um longo período de espera (em determinados casos, longos meses, noutros, mesmo anos), há uma menor possibilidade de escolher a casa que se pretende, além do que a localização da habitação e a qualidade da mesma podem ser inferiores.
Todavia, o maior inconveniente está relacionado com as limitações numa venda. Na verdade, só será possível vender a casa ao fim de 5 anos.
Ainda assim, muitos dos inconvenientes da compra de uma casa mediante uma cooperativa de habitação podem ser ultrapassados se optar por constituir uma cooperativa de habitação com outras pessoas.
Por que é que os preços destas casas são mais acessíveis?
Há um conjunto vasto de razões que ajudam a justificar os preços mais acessíveis destas casas, a começar pela missão destas cooperativas. Como foi dito anteriormente, o seu objectivo é criar habitação a custos controlados.
Conforme o conteúdo apresentado no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 502/99, o preço final dos fogos não pode ultrapassar o seu custo.
Cada fogo deve ter um custo que corresponda à soma dos seguintes valores:
- Custos do terreno e infra-estruturas, estudos e projectos, construção e equipamentos complementares (quando integrados nas edificações);
- Encargos administrativos e financeiros com a execução da obra;
- Valor das licenças e taxas até à entrega do fogo em condições de ser habitado;
- Fundo para construção cujo valor não pode ser superior a 10% da soma dos valores anteriores.
As cooperativas apresentam ainda a vantagem de beneficiar de linhas de crédito com bonificação (suportada pelo Estado) que abrangem as diversas etapas do processo. As distintas fases vão da aquisição do terreno à construção da casa.
As obras cuja realização fique a cargo de cooperativas de habitação e construção podem ainda beneficiar da taxa reduzida de IVA. O mesmo acontece com a prestação de serviços relacionados.
Conforme o Portal da Habitação explica, as cooperativas, para acederem a estes apoios, têm de assegurar uma “construção de qualidade” e que obedeça “aos limites de área bruta, custos de construção e preço de venda” que se encontram fixados em portaria.
Como criar uma cooperativa de habitação?
Há vários passos a seguir para conseguir atingir o objectivo de constituir uma cooperativa de habitação:
- Requerer o certificado de admissibilidade de firma ou denominação e o número de identificação de pessoa coletiva (NIPC). Esse procedimento deve ser feito no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC);
- Constituir a assembleia de fundadores, que elege o presidente e estabelece as regras de funcionamento. Logo, elabora os estatutos da cooperativa de habitação. Na prática, as pessoas com interesse na constituição da cooperativa devem reunir-se em assembleia para executar estas tarefas;
- Realizar a escritura de constituição da cooperativa, num cartório notarial;
- Efectuar o registo da cooperativa de habitação, em qualquer conservatória de registo comercial. Então, o conservador deve proceder às publicações obrigatórias no portal da Justiça;
- Inscrever a cooperativa na Segurança Social; Solicitar o cartão de empresa, documento que contém a designação da cooperativa e o NIPC, que engloba o número de identificação fiscal e da Segurança Social;
- Enviar, no prazo de 30 dias seguidos, à Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) os seguintes documentos: as cópias dos actos de constituição e alteração dos estatutos, mas também os relatórios de gestão e as contas de exercício anual e balanço social.
CONSTITUIR COOPERATIVA NA HORA
Existe a possibilidade de constituir uma cooperativa num só dia. Essa opção é realizada através do procedimento designado por ‘Cooperativa na Hora’. Neste caso, deixa de ser preciso obter o certificado de admissibilidade de denominação, redigir a constituição ou proceder ao respetivo registo.
Para o conseguir fazer, terá de usar o modelo aprovado pelo Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) para o ato constitutivo e seleccionar a denominação de entre as disponibilizadas no posto de atendimento.
Os interessados em fazê-lo só necessitam de fazer o seguinte:
- Formular o respectivo pedido junto do serviço competente;
- Optar pela denominação e pelo modelo de acto constitutivo;
- Apresentar a documentação indispensável para se identificarem e provarem a capacidade e os poderes de representação dos interessados (através de procuração, por exemplo);
- Declarar que será efetuado o depósito das entradas que irão constituir o capital social. Tal deve ser feito num mínimo de 10%, no prazo de 5 dias úteis.