Número de queixas feitas à CNE tem vindo a subir?
Houve tempos em que o tratamento jornalístico era causa da ira política, mas foi destronado pela neutralidade e imparcialidade das entidades públicas
O número de queixas feitas à Comissão Nacional de Eleições (CNE) no âmbito das ‘Regionais’ varia conforme o sufrágio. Mas terá sido crescente?
Se é certo que depois dos tempos do jardinismo, o ar político ficou mais respirável, em 2019 e 2023, dado o elevado número de candidaturas envolvidas, o número de participações subiu, embora tivesse decrescido consideravelmente, na ordem dos 98%, no sufrágio do ano passado, face ao anterior.
Em 2011 houve ‘Presidenciais’ a 23 de Janeiro, legislativas nacionais a 5 de Junho e ‘Regionais’ de 9 de Outubro. A tensão acumulada era evidente. A decisão da CNE em deixar claro que na campanha nacional o DIÁRIO respeitou o princípio do tratamento jornalístico não discriminatório irritou Alberto João Jardim. O presidente do PSD-M apresentou três queixas contra o nosso jornal e não teve razão em nenhuma. Numa das queixas contestou o facto de haver candidatos de outros partidos a escrever opinião em plena campanha. A CNE recordou que nesse mesmo tempo candidatos do PSD também exerceram o mesmo direito. Vai daí, Jardim proibiu os social-democratas de escrever nas colunas de opinião do DIÁRIO.
O assunto foi manchete na edição de 19 de Junho de 2011 e motivou Editorial. Desde então, o PSD desfere uma sem número de participações contra quase todas as edições do DIÁRIO por alegado tratamento jornalístico discriminatório. O mesmo argumento era usado à vez por cidadãos e partidos contra o Jornal da Madeira, então fortemente dominado pelo poder vigente. A maior parte das 62 queixas que chegaram à CNE nesse ano era desse teor.
Em 2015, o número de queixas fica reduzido a um terço das anteriores. Não passaram de 22, mas a CNE fez notar que o tema com mais processos ainda era relativo ao tratamento jornalístico.
Em 2019, ano em que concorreram 17 forças políticas, as queixas dispararam. Foram 114, cinco vezes mais do que nas eleições anteriores, 90 das quais apresentadas por cidadãos, mas com uma alteração substancial do tema. Com a saída do governo do meio de Comunicação que tutelava, a não observância da neutralidade e imparcialidade das entidades públicas passa a ter relevância, já que motivou mais de metade das participações.
Nas Regionais de 2023, houve 109 participações no decurso do processo eleitoral, 63 das quais por iniciativa dos cidadãos e 27 do PS, num processo eleitoral em que dois meios de comunicação social também pediram à CNE para intervir.
Em 80 destes casos, as queixas decorrerem da não observância da neutralidade e imparcialidade das entidades públicas, por sinal, as principais visadas nas queixas feitas então.
Não admira que a CNE tenha enviado para o Ministério Público 44 processos. A violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade constitui crime público de acordo com a lei eleitoral, punível com pena de prisão até 1 ano e multa de 500 a 2 mil euros. Como decorrência, ainda, daqueles deveres, surge uma figura complementar – a do abuso de funções públicas ou equiparadas –, cujo efeito se objetiva apenas no ato de votação e que conduz a um regime sancionatório igualmente grave: o cidadão investido de poder público, o funcionário ou agente do Estado ou de outra pessoa colectiva pública e o ministro de qualquer culto que, abusando das suas funções ou no exercício das mesmas, se servir delas para constranger, influenciar ou induzir os eleitores a votar ou a deixar de votar em determinada ou determinadas listas é punido com pena de prisão de 6 meses a 2 anos e multa de mil a 10 mil euros.
As 109 participações geraram ainda 17 arquivamentos, 15 advertências, 11 recomendações e outros tantos esclarecimentos, 9 injunções, e 2 outras deliberações.
No sufrágio de 2024, a CNE apenas recebeu apenas 11 participações, entre queixas e pedidos de parecer. Destas, 3 foram submetidas pelo PS, 2 pelo PTP, 2 por órgãos das autarquias locais, 2 por cidadãos, uma por membros das mesas e outra pela CDU.
Há visados distintos nas queixas sobretudo motivadas pela propaganda, presente em quatro processos, pela neutralidade e imparcialidade das entidades públicas (3) e por evento na véspera ou dia de eleição (2), bem como por causa do tratamento jornalístico das candidaturas e até da votação.
As 11 participações geraram cinco recomendações, três esclarecimentos, dois arquivamentos e uma advertência.
Resta saber o que nos reserva o processo eleitoral em curso. O porta-voz da CNE admitiu recentemente que já foram apresentadas algumas queixas sem saber quantas, mas garantia que, em breve, seriam analisadas. O certo é que há, pelo menos, uma deliberação tomada, que aliás já motivou um outro ‘fact check’.