Numa época marcada cada vez mais pelo digital, onde grande parte dos processos administrativos são automatizados, muitos contribuintes questionam-se: é mesmo necessário guardar as facturas, especialmente depois de já terem sido validadas no sistema e-Factura para efeitos de IRS? A resposta, caro contribuinte, apesar da evolução tecnológica, continua a ser afirmativa. Existem diversos prazos a respeitar e diferentes justificações para manter os comprovativos organizados. Por isso guarde. Neste artigo vamos tentar clarificar dúvidas quanto tempo se deve guardar cada tipo de factura, as razões para essa necessidade e as consequências de não cumprir esta obrigação.
Por que razão devemos guardar as faturas?
O registo das facturas no sistema e-Factura da Autoridade Tributária (AT) facilita a vida dos contribuintes, permitindo o acesso a muitas despesas sem necessidade de guardar os documentos físicos. No entanto, há várias razões para manter os comprovativos, entre as quais:
- Possíveis inspecções ou auditorias fiscais – A AT pode pedir esclarecimentos sobre as deduções no IRS até 4 anos depois da submissão da declaração. Sem facturas, o contribuinte pode ver-se obrigado a pagar valores adicionais.
- Correcção de erros no e-Factura – Algumas despesas podem não ser correctamente registadas no sistema, exigindo que o contribuinte submeta provas adicionais.
- Defesa do consumidor – Em caso de necessidade de troca, garantia ou reclamação de um produto ou serviço, a factura pode ser essencial.
- Prevenção de cobranças indevidas – Serviços públicos e privados podem exigir comprovativos de pagamento caso surja uma divergência nos valores cobrados.
Por quanto tempo devemos guardar cada tipo de factura?
A legislação portuguesa determina prazos distintos consoante o tipo de despesa e a entidade envolvida. Aqui está o guia completo para cada categoria de facturas:
1. Serviços Públicos Essenciais (6 meses a 3 anos)
As facturas de serviços essenciais, como água, electricidade, gás, telecomunicações e internet, devem ser guardadas por pelo menos 6 meses. Durante este período, os fornecedores podem exigir o pagamento de facturas em atraso ou corrigir erros de facturação.
Se houver reclamações ou litígios relacionados com valores cobrados, é recomendável manter os comprovativos por 3 anos, prazo dentro do qual se pode contestar dívidas e penalizações.
2. IRS e Outras Obrigações Fiscais (4 anos)
Mesmo que as facturas estejam registadas no sistema e-Factura, os contribuintes devem guardá-las por um período de 4 anos. Este é o tempo durante o qual a Autoridade Tributária pode solicitar documentação comprovativa das deduções fiscais.
Se um contribuinte for alvo de uma inspecção, deve conseguir apresentar as facturas originais (digitais ou físicas) para validar as deduções declaradas. Caso contrário, pode ser penalizado e obrigado a devolver benefícios fiscais indevidos.
3. Despesas com Saúde e Educação (4 anos)
Facturas de consultas médicas, exames, medicamentos, tratamentos dentários, propinas, mensalidades escolares e explicações devem ser guardadas por 4 anos. Embora o sistema e-Factura registe automaticamente muitas destas despesas, alguns serviços podem não comunicar correctamente as transações à AT.
Além disso, as facturas de saúde podem ser necessárias para efeitos de reembolso em seguros de saúde, pelo que é recomendável guardá-las até a seguradora processar o pagamento.
4. Habitação: Rendas e Crédito à Habitação (5 a 10 anos)
- Arrendamento: Os recibos de renda devem ser guardados por pelo menos 5 anos, pois os senhorios podem contestar pagamentos ou cobrar valores adicionais retroactivamente.
- Crédito à habitação: Os documentos associados ao crédito, incluindo comprovativos de prestações e juros pagos, devem ser mantidos por 10 anos. As instituições financeiras e a AT podem solicitar estes documentos para esclarecimento de possíveis irregularidades.
- Obras e reabilitação: Se realizou obras no imóvel, as faturas devem ser guardadas por 10 anos, especialmente se forem utilizadas para efeitos de mais-valias na venda do imóvel.
5. Bens de Consumo e Garantias (2 a 3 anos, ou mais)
- Electrodomésticos, tecnologia e automóveis: A garantia mínima legal para a maioria dos produtos é 3 anos, pelo que deve guardar as faturas durante esse período.
- Serviços de reparação (canalização, eletricidade, carpintaria, etc.): A garantia dos serviços prestados é geralmente de 1 ano, mas pode ser mais longa, dependendo do contrato.
- Automóveis: Faturas de compra, manutenção e reparação de veículos devem ser guardadas por pelo menos 5 anos, pois podem ser necessárias para comprovar reparações em litígios ou no caso de venda.
6. Facturas de Trabalhadores Independentes e Empresas (10 anos)
Os profissionais liberais e empresários devem manter faturas relacionadas com a sua actividade durante 10 anos. Este prazo decorre das obrigações contabilísticas e fiscais, permitindo eventuais auditorias.
Consequências?
Não guardar facturas pode ter várias implicações, desde a impossibilidade de reclamar garantias ou correcções de valores cobrados até problemas com a AT. As principais consequências são:
- Perda de benefícios fiscais: Se a AT pedir faturas e o contribuinte não as tiver, poderá perder deduções no IRS e ser obrigado a pagar valores adicionais.
- Dificuldades em reclamações: Sem fatura, pode ser impossível reclamar um defeito de um produto ou serviço, pedir reembolsos ou exigir reparações.
- Complicações em auditorias fiscais: Para quem tem actividade independente ou empresa, a falta de documentação pode resultar em penalizações financeiras e sanções legais.
Qual a melhor forma de guardar?
Não é obrigatório guardar facturas em papel, pois cópias digitais (PDF ou fotografia) têm validade legal desde que sejam legíveis e contenham os dados necessários. Aconselha-se:
- Digitalizar e armazenar faturas em serviços de nuvem (Google Drive, Dropbox, OneDrive);
- Manter backups em dispositivos externos, como discos rígidos ou pen drives;
- Organizar as faturas por categorias e anos para facilitar futuras consultas.
Precaução e segurança
Embora o sistema e-Fatura automatize grande parte do processo fiscal, guardar faturas continua a ser essencial para evitar problemas legais e financeiros. Os prazos variam consoante a categoria da despesa, mas a regra geral é simples: se tem dúvidas, mais vale guardar do que deitar fora.
Para evitar perder documentos importantes, os contribuintes devem adoptar boas práticas de organização, recorrendo a arquivos físicos e digitais. No final, a prevenção pode fazer toda a diferença quando menos se espera.