O cerco invisível da subversão
Poucos se dão conta do momento exato em que este turbilhão de estímulos, distrações e ilusórias promessas de liberdade se instalou. Substituímos a antiga visão platónica — fundada na inteligência, na virtude e na ação — por reels de quinze segundos que nos entregam apenas fragmentos dispersos da realidade, quando não fabricados pela própria inteligência artificial. A ignorância, outrora fruto da falta de acesso ao conhecimento, converteu-se em entretenimento instantâneo, saturado de dopamina e sempre disponível ao alcance de um impulsivo que responde a desejos imediatos.
É neste ambiente que germina a dissonância cognitiva: o indivíduo deixa de reivindicar ou sustentar aquilo que verdadeiramente pensa e limita-se a reagir, guiado pela sugestão do algoritmo, e pela submissão automática ao que surge no ecrã. Abre-se, assim, o terreno para aquilo que Yuri Bezmenov designava por subversão: uma forma de manipulação que dispensa armas e se alimenta apenas de distração contínua. No século XXI, essa manipulação tornou-se ainda mais refinada. O filósofo ByungChul Han denomina a psicopolítica: um poder que não domina pela força, mas pela ilusão de liberdade. Ao ‘panótico digital’ basta-lhe likes, seguidores e métricas invisíveis que moldam e criam desejos e emoções. A cultura do desempenho converte a existência numa corrida incessante para sermos sempre melhores e, quando inevitavelmente falhamos, somos esmagados pela culpa e pela vergonha. A liberdade, tão celebrada, transforma-se assim numa ferramenta subtil de controlo e de exigência permanente, imperando sempre a comparação no indivíduo para com os padrões e conceitos aleatoriamente sugeridos.
Cada escolha surge como um gesto de independência, mas frequentemente escancara portas para novas formas de dependência emocional e até ideológica, mas exige, invariavelmente, uma lealdade que nunca é gratuita.
E como se não bastasse, o outro reverso da moeda — o conservadorismo de índole dogmática — completa o ciclo. Se a subversão progressista oferece a liberdade, o conservadorismo oferece a culpa. Entre a ideia de ser livre e a repressão, perdemos a capacidade de construir um “self” em plenitude. A hipocrisia vira rotina, e a verdade subjetiva. É assim que o cerco se fecha. Não com violência, mas com distração. Não com censura, mas com promessas de liberdade. Não com tirania, mas com culpa. O indivíduo moderno torna-se o prisioneiro perfeito: gosta da própria cela, escolhe o próprio castigo e ainda paga pelo “remédio” que o mantém quieto.
Duarte Dusan Santos