Voos ‘da Emília’ violaram limites de vento?
Os problemas de operacionalidade no Aeroporto da Madeira voltaram a ser notícia por causa da depressão Emília, que assolou a Região entre sexta e sábado. Bastaram dois dias de vento forte, com rajadas acima dos 100 km/h, para paralisar a infraestrutura, causando inconvenientes para quem queria sair ou chegar à ilha.
Como noticiado pelo DIÁRIO, nos dois dias de maior instabilidade, dos 210 voos programados, pelo menos 204 foram cancelados, entre sexta-feira e sábado.
No sábado de vendaval, o único avião a operar na pista do aeroporto da Madeira foi o da Ryanair que, após cerca de uma hora de espera na cabeceira, descolou com destino a Dublin.
Voo da Ryanair 'inaugura' pista do Aeroporto da Madeira depois da tempestade
De resto, todos os outros voos agendados permanecem cancelados
Marianna Pacifico , 13 Dezembro 2025 - 19:58
A realização de duas operações aéreas em pleno vendaval associado à depressão Emília — uma aterragem na sexta-feira e uma descolagem no sábado — gerou surpresa e críticas públicas, sobretudo nas redes sociais, com acusações de imprudência e de alegada violação dos limites de vento no Aeroporto Internacional da Madeira – Cristiano Ronaldo. A análise dos dados técnicos, dos procedimentos operacionais e dos limites oficialmente publicados permite, contudo, concluir que as regras foram cumpridas.
Na origem da polémica esteve a divulgação de valores elevados de vento médio e de rajada, com referência a picos superiores a 100 km/h, registados pela estação do IPMA localizada no aeroporto. Em comentários amplamente partilhados, vários cibernautas acusaram os pilotos de “furar os limites”, de “arriscar a vida dos passageiros” e de operar com vento “três vezes acima do permitido”. Estas afirmações partem, porém, de um equívoco frequente: confundir valores máximos pontuais com os limites operacionais efectivamente aplicáveis.
No Aeroporto da Madeira, os limites obrigatórios de vento não são únicos nem absolutos. Variam consoante a direcção do vento, o sector em que sopra e a pista em uso — 05, do lado de Santa Cruz, ou 23, do lado de Machico. Além disso, o que conta para a decisão operacional são os valores médios de vento de dois minutos, medidos em pontos específicos da pista durante a aproximação, a cerca de dois minutos da aterragem, e não rajadas isoladas registadas ao longo da hora. Mais informações sobre o vento após a autorização de pouso ter sido emitida – cerca de 2 minutos antes da aterragem - só serão fornecidas a pedido do piloto ou mediante a ocorrência de variações nas leituras médias da direcção do vento dos últimos 2 minutos de 60° ou mais, ou velocidade média do vento de 3 KT (nós) ou mais.
Para aterragens, os limites publicados determinam, por exemplo, que com vento do sector 300° a 010° (noroeste a norte) o máximo permitido é de 15 nós de vento médio (cerca de 27,8 km/h), com rajadas até 25 nós (46,3 km/h); com vento do sector 020° a 040° (quadrante nordeste), o limite sobe para 20 nós (37 km/h), com rajadas até 30 nós (55,6 km/h); com vento do sector 120° a 190° (quadrante sul), o limite é de 20 nós (37 km/h) se a pista em uso for a 05, ou 15 nós (27,8 km/h) se estiver em uso a pista 23; no sector 200° a 230° (sudoeste), o valor máximo permitido, incluindo rajada, é de 25 nós (46,3 km/h).
Para descolagens, os limites são, em geral, mais permissivos: 20 nós (37 km/h) no sector 300°–010°; 25 nós (46,3 km/h) no sector 020°–040°; 25 nós (46,3 km/h) no sector 120°–190° se a pista em uso for a 05; e 20 nós (37 km/h) no mesmo sector se estiver em uso a pista 23, não existindo, nestes casos, limitação específica de rajada.
Na sexta-feira, dia 12, um ATR72 da Binter realizou o voo Madeira–Canárias–Madeira, aterrando ao princípio da noite. Os registos gerais do IPMA apontam para vento médio elevado e rajadas muito fortes nesse período.
“Não houve nada de surpreendente”
O DIÁRIO solicitou uma avaliação ao comandante Timóteo Costa, piloto aposentado, ex-comandante da SATA, com 47 anos de carreira, mais de 26 mil horas de voo e cerca de 8 mil aterragens no Aeroporto da Madeira. Após analisar os dados disponíveis, concluiu que “não houve nada de surpreendente” em nenhuma das duas operações.
Ainda assim, a aeronave permaneceu em espera até surgir uma janela de oportunidade, aterrando quando os valores médios relevantes, nos sectores e anemómetros aplicáveis, estavam dentro dos limites autorizados. “Ele veio, andou em espera e aterrou quando teve de estar dentro destes valores. Isso é legal. Ele respeitou os limites da aterragem”, sublinha Timóteo Costa.
No sábado, dia 13, o Boeing 737 da Ryanair, com destino a Dublin, esteve cerca de uma hora à espera na cabeceira da pista antes de iniciar a descolagem. Foi este o caso que motivou maior contestação nas redes sociais. A espera prolongada foi interpretada por alguns observadores e cibernautas como sinal de imprudência. Na realidade, corresponde a um procedimento normal: aguardar até que os valores médios de vento, medidos no centro da pista (MID), permitam a emissão da autorização. “O que pode ter acontecido foi isso mesmo: esperar até que, num determinado momento, o vento permitisse a descolagem. Quando isso aconteceu, aproveitou a janela disponível e foi-se embora”, explica.
Sobre as críticas dirigidas ao voo da Ryanair, o antigo comandante é claro: “Quando o aeroporto diz que está dentro dos limites e a autoridade aeronáutica também, os dois factores jogam a favor. O comandante tem autorização, descola, e a segurança não esteve em perigo. A prova disso é que o avião descolou, seguiu viagem e não aconteceu nada.”
Vários comentários nas redes sociais acusaram ainda o piloto de ter descolado “com o aeroporto fechado” ou “fora dos limites”. Tecnicamente, essas acusações não têm fundamento. Um aeroporto só está fechado quando a Torre de Controlo suspende operações; enquanto isso não acontece, cada autorização depende da avaliação contínua dos valores médios de vento e da decisão final do comandante. “Ele actuou bem perante a companhia, o tráfego e os passageiros. Cumpriu com a lei”, reforça Timóteo Costa.
De acordo com os procedimentos oficiais, a Torre não emite autorização quando os limites são excedidos. Se, depois de concedida a autorização, os valores se agravarem, cabe ao comandante decidir se continua ou aborta a manobra. Actualmente, essa decisão é ainda apoiada pelos próprios sistemas da aeronave. “Os aviões avisam o piloto em voz. Se não houver condições, dizem logo ‘go around’ e acabou”, lembra.
Em suma, apesar do vento forte e das rajadas extremas registadas durante a depressão Emília terem criado uma percepção pública de risco elevado, não há indícios de qualquer violação dos limites obrigatórios de vento nas duas operações realizadas no Aeroporto da Madeira.
Como se mede o vento que conta para a decisão
Na aviação, não são os picos momentâneos de vento que determinam se um avião pode aterrar ou descolar. O critério decisivo é o vento médio, calculado sobre um período de dois minutos imediatamente anterior ao momento crítico da operação, ou seja, cerca de dois minutos antes da aterragem ou da decisão final de descolagem.
Esses valores são medidos em pontos específicos da pista e da trajectória de aproximação, e variam consoante a pista em uso:
A Torre de Controlo só autoriza a aterragem ou descolagem se esses valores médios estiverem dentro dos limites definidos para a direcção do vento, o sector e a pista em uso - e desde que a visibilidade mínima obrigatória também seja cumprida.
As rajadas são tidas em conta apenas nos sectores e situações em que os limites oficialmente publicados as incluem. Rajadas isoladas ou picos máximos registados fora do intervalo crítico não determinam, por si só, a suspensão da operação.
A decisão final cabe sempre ao comandante, que pode abortar a manobra ou desistir da operação mesmo estando formalmente dentro dos limites autorizados.