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Explicador Madeira

O que saber sobre mudanças à legislação laboral

Várias alterações à legislação laboral estão em cima da mesa e podem ter impacto directo no dia a dia de trabalhadores e empresas. O Governo aprovou em Conselho de Ministros um anteprojecto de reforma do Código do Trabalho que mexe em mais de uma centena de artigos e que ainda terá de ser discutido em concertação social e aprovado pela Assembleia da República. Contratos de trabalho, férias, teletrabalho, banco de horas e outsourcing estão entre os dossiês mais sensíveis.

O pacote faz parte da proposta de reforma da legislação laboral denominada Trabalho XXI, que o Executivo apresenta como uma revisão “profunda, ambiciosa e modernizadora” do mercado de trabalho. O Governo defende que o objetivo é flexibilizar regras para estimular o emprego, aumentar a competitividade das empresas e aproximar Portugal de modelos laborais praticados noutros países europeus. Os sindicatos, por seu lado, alertam para um aumento da precariedade e perda de direitos.

Estas são as principais mudanças em discussão.

Contratos de trabalho com novos limites

Uma das alterações centrais diz respeito à duração dos contratos a termo.

O Governo propõe que os contratos a termo certo passem a poder durar até três anos, quando atualmente o limite máximo é de dois. Já os contratos a termo incerto poderão estender-se até cinco anos, em vez dos quatro atualmente previstos.

Além disso, o Executivo quer alargar as situações em que é possível recorrer a contratos a prazo. Entre os novos fundamentos estão a contratação de trabalhadores em situação de desemprego prolongado, reformados por velhice ou invalidez e pessoas que nunca tenham tido um contrato de trabalho por tempo indeterminado, incluindo jovens à procura do primeiro emprego. Na prática, estas mudanças tornam mais fácil e mais duradoura a contratação a prazo. Para os sindicatos, isso pode transformar a exceção em regra no mercado de trabalho.

Férias: mais dias, mas com perda de salário

Outra das propostas mais discutidas é a possibilidade de o trabalhador “comprar” até dois dias extra de férias por ano, abdicando do salário correspondente.

O anteprojecto prevê ainda a criação de faltas justificadas para antecipar ou prolongar períodos de férias, desde que a pedido do trabalhador e mediante acordo com a entidade empregadora.

O Governo apresenta esta medida como um instrumento de conciliação entre vida pessoal e profissional. As centrais sindicais alertam, no entanto, que na prática pode traduzir-se numa redução do rendimento anual.

Teletrabalho com regras mais flexíveis

No teletrabalho, o Executivo pretende introduzir maior margem de negociação entre trabalhador e empregador.

Uma das propostas passa por definir, nos acordos de teletrabalho, a proporção entre trabalho remoto e presencial, quando o regime não for totalmente à distância. Prevê-se ainda a possibilidade de o trabalhador alterar temporariamente o local onde presta trabalho remoto, desde que comunique essa intenção ao empregador com cinco dias de antecedência.

Estas mudanças visam adaptar o regime às novas formas de organização do trabalho, mas levantam dúvidas sobre a protecção do trabalhador e a estabilidade das condições acordadas.

Banco de horas individual regressa

O banco de horas individual, eliminado em 2019, está previsto regressar, embora com regras diferentes.

Segundo a proposta, este regime poderá ser instituído por acordo directo entre trabalhador e empregador, permitindo um aumento do período normal de trabalho até duas horas por dia, com um limite máximo de 150 horas por ano.

O Governo defende que este modelo dá mais flexibilidade às empresas e aos trabalhadores. Os sindicatos consideram que pode pressionar os trabalhadores a aceitar horários mais longos.

Fim do travão ao outsourcing após despedimentos

O Executivo quer eliminar a norma que impede as empresas de recorrer a outsourcing durante 12 meses após despedimentos coletivos ou por extinção de posto de trabalho.

Esta regra foi introduzida em 2023, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, e chegou a ser alvo de fiscalização pelo Tribunal Constitucional, que a considerou conforme à Constituição.

A sua revogação é vista pelas confederações empresariais como um alívio às restrições existentes. Os sindicatos acusam o Governo de abrir a porta à substituição de trabalhadores por serviços externos mais baratos.

Período experimental recua para primeiros empregos

Outra mudança relevante é a revogação do período experimental de 180 dias aplicado a trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração.

Esta regra tinha sido introduzida nos últimos anos e foi alvo de fortes críticas por parte das organizações sindicais, que viam nela um factor de instabilidade acrescida para quem entra no mercado de trabalho.

Serviços mínimos alargados em caso de greve

O anteprojeto prevê também o alargamento dos setores obrigados a garantir serviços mínimos durante greves.

Entre os novos setores abrangidos estão o abastecimento alimentar, os serviços de cuidado a crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência, bem como a segurança privada de bens ou equipamentos essenciais.

Para os sindicatos, esta medida limita o direito à greve. O Governo argumenta que visa proteger necessidades sociais essenciais.

Formação profissional com novas regras

As microempresas passam a estar obrigadas a garantir 20 horas anuais de formação por trabalhador, enquanto as restantes empresas ficam obrigadas a 40 horas. Actualmente, a lei não distingue entre dimensão das empresas.

O que acontece agora

Apesar de já ter sido aprovado em Conselho de Ministros, o anteprojecto ainda será discutido em concertação social e terá de passar pela Assembleia da República. O Governo já admitiu avançar mesmo sem consenso com os parceiros sociais, cenário que tem alimentado a contestação sindical e a ameaça de novas greves.

Até à aprovação final, o texto poderá ainda sofrer alterações, mas o debate em torno da reforma da lei do trabalho promete continuar a marcar a agenda política e social nos próximos meses.