Qual foi a pressa?
A frase original é bem conhecida de todos os que prestam a mínima atenção à política: é de António José Seguro, candidato a Presidente da República com o apoio do PS, e foi proferida na qualidade de Secretário-geral do partido, em 2013, quando confrontado com a convulsão partidária interna que mais tarde levaria António Costa a líder do partido primeiro e a Primeiro-ministro depois. Bem sei que na política a memória é curta e que muitos optam por ignorar a História, sob pena de serem confrontados com as suas incongruências constantes. Talvez por isso não seja assim tão estranho que os mesmos que, em 2014, se colocaram ao lado de António José Seguro, estranhando a pressa de quem o enfrentou, sejam exatamente os mesmos que, no PS Madeira, transformaram mais umas eleições internas numa “sucessão tranquila”, cheia de pressa e vazia de discussão.
À hora a que escrevo, dez dias depois da sua aprovação interna, não existe qualquer informação pública disponível a qualquer militante do PS Madeira que pretenda envolver-se nas próximas eleições e congresso regional: nem estatutos atualizados, nem regulamentos eleitorais aprovados, nem cronograma divulgado. Nada de nada. Tudo feito com total opacidade, como se o partido vivesse na clandestinidade. Não é possível saber as regras e as datas que interessam, porque são “pormenores irrelevantes” para quem depressa fez eleger como Presidente da Comissão Organizadora do Congresso o mais próximo colaborador de uma das candidaturas. Tudo normal na “democracia” interna vigente na Rua da Alfândega. À hora a que lerem este artigo, provavelmente as informações aparecerão, para contrariarem esta versão.
Ora, nada disto interessaria aos madeirenses em geral, maioritariamente não militantes, simpatizantes, ou sequer eleitores do PS Madeira, não fora o facto de todos os acontecimentos políticos regionais mais recentes confirmarem o mal que faz à política madeirense a inexistência de um partido alternativo ao PSD forte - e esse partido, que quase sempre foi o PS, neste momento não existe. Li, por isso, com alguma estranheza, nas páginas deste jornal, a opinião de Gonçalo Leite, que é novo no PS, em tempo de militância e de eleição, mas velho na narrativa: o seu argumento é o de que, afinal, nas últimas eleições autárquicas o PS não morreu - mas, na verdade, na maioria dos concelhos e freguesias morreu mesmo. É a mesma lógica argumentativa dos que se orgulham de serem vereadores únicos do PS na oposição, onde já fomos poder e eram cinco até à sua eleição.
A pressa com que se lidou, outra vez, com mais um desastre eleitoral do PS, é má conselheira. Não permite qualquer reflexão apurada; não permite qualquer diagnóstico profundo; não permite lançar ideias estruturais, em vez de candidaturas circunstanciais; e não permite mobilizar verdadeiramente ninguém – nem interna, nem externamente. No dia seguinte às eleições autárquicas, propus, como alternativa à pressa do costume, uma discussão a três tempos, com um congresso estatutário prévio, eleições primárias abertas e, finalmente, um congresso estratégico. Com eleições só daqui a quatro anos, o tempo, desta vez, não era impeditivo de nada disso. Porém, mais uma vez, os dirigentes do PS Madeira de nada quiseram saber, porque os dois principais sindicatos de votos internos já escolheram a candidatura vencedora. Tudo o resto será simulacro democrático, a que suspeito que outros candidatos não sejam capazes de resistir e chegar ao fim.
Reconstruir um partido leva tempo, mas exige também vontade de fazer diferente - neste caso, muito diferente. Vontade e gente. A consequência de fazer mais do mesmo está à vista de todos. Na Madeira, os pequenos partidos, que até já elegeram deputados à Assembleia Regional, como PAN, PTP e MPT, não têm um único representante eleito para uma Assembleia de Freguesia, ou Municipal. A esquerda à esquerda do PS, representada por BE e PCP, pela primeira vez também não. Todos desapareceram completamente do mapa político regional e local. À direita, à IL sobra apenas um deputado regional. Para além do PS neste estado, a oposição na Madeira fica, assim, entregue ao populismo de direita do CHEGA e ao populismo sem ideologia do JPP, que entre ex-militantes do PS e do PSD já soma uma maioria de eleitos dentro do seu “movimento de cidadãos”, inicialmente independentes.
A mensagem do eleitorado madeirense tem sido clara: ou existe uma alternativa sólida e consistente, que mobilize os cidadãos e em quem confiem e acreditem genuinamente, ou continuaremos a ter o PSD no poder - velhinho, gasto, eleitoralmente cada vez mais reduzido, mas ainda assim vencedor. Perante tudo isto, qual foi, afinal, a pressa? Eu respondo: manter o poder interno, por mais reduzido que seja o externo. Para quê?