A toga e o tempo
Há profissões que parecem existir fora do tempo. A advocacia, quando vivida na sua essência, é uma delas. A toga, que muitos encaram como mero vestígio cerimonial, guarda a memória de que a Justiça não é um gesto impulsivo, mas um exercício de ponderação, escuta e presença.
Vivemos numa época que exige respostas imediatas, mas o Direito, e quem o serve, continua a reclamar aquilo que a vida acelerada raramente concede: reflexão antes da decisão.
Não é nostalgia por um tempo que não vivi; é a constatação de que, nos momentos em que tudo parece caótico, alguém tem de deter o ritmo, interpretar o que aconteceu e devolver sentido ao que está diante de nós. Esse é o verdadeiro ofício da advocacia.
Num país onde quase tudo se desmaterializou, continua a ser nos gabinetes, no peso dos processos físicos e no contacto direto com as pessoas que a essência da profissão resiste. Há perguntas que nenhum formulário responde e receios que não cabem numa plataforma digital. Há decisões que só ganham vida quando alguém as defende de viva-voz.
Talvez por isso a figura do advogado continue tão necessária. Porque, apesar da modernidade, a Justiça permanece profundamente humana.
A toga não é um adorno do passado, é um lembrete de que a Justiça exige ponderação e responsabilidade. Não segue o tempo frenético das redes nem a lógica instantânea da inteligência artificial, segue um tempo interior, próprio, onde cada palavra importa e cada gesto tem peso. Ao vestir a toga, o advogado assume o compromisso de habitar a lei com seriedade. Mais do que vestir o advogado, ela reveste o ato de defender e recorda que a Justiça se faz de combate ético, de rigor e de vontade de encontrar o que é justo.
A digitalização trouxe eficiência, mas retirou algo essencial a experiência de ser verdadeiramente ouvido. Muitos acreditam que a advocacia pode reduzir-se a plataformas inteligentes. Porém, nos momentos decisivos, o que o cidadão procura não é um portal; é alguém que o acompanhe na inquietação, que lhe explique o que está em causa e que transforme normas abstratas numa defesa concreta, sem ruído e sem espetáculo.
E enquanto houver quem precise de orientação, de defesa e de voz, o advogado continuará a ser essencial. Não por ser antigo, mas porque permanece insubstituível.