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O carteiro

Pior do que as más notícias era a ausência de notícias

Nos finais dos anos de 60 e início dos anos de 70, do século passado, a espera o carteiro era um dos rituais mais vividos pela população no campo. Na altura não havia telemóveis nem internet, apenas algumas mercearias tinham telefone. As cartas eram o único meio de receber novidades de quem estava lá fora.

O ritual

No Campanário, o carteiro apontava no sítio da Pedra, descia a pé em passo firme pelo caminho velho, em direção ao bar do Canto e à Ponte. Ao tocar a corneta, logo as pessoas saiam dos portais ao seu encontro. Na outra banda, na Porta Nova e no Tornadouro, aos primeiros toques da corneta, aqui e ali as pessoas esperavam impacientemente que o carteiro apontasse na volta do caminho. Ao longo do percurso, havia sempre alguém que interpelava o carteiro. Mesmo quem num dia recebia uma carta, no outro dia lá estava, novamente, à espera do carteiro. As pessoas que não sabiam ler, quando recebiam alguma carta, pediam a um vizinho que a lesse. Logo ali as notícias eram partilhadas.

Alegrias e tristezas

Quase todas as famílias, na altura, tinham algum familiar emigrado, principalmente na Venezuela, França, África do Sul e muitos rapazes tinham sido recrutados para a guerra do ultramar. Por isso, a ânsia de notícias estava estampada em cada rosto. O carteiro não era apenas portador de boas notícias. O receio de más novidades era constante, principalmente quando recebiam aerogramas, desdobrável gratuito utilizados para correspondência com os militares na guerra. No Campanário, tal como um pouco por toda a ilha, havia conhecimento de soldados mortos, alguns feridos, e outros desparecidos. Sempre que algum vizinho morria, era um pouco de todos nós que também morria.

Angústia por ausência de notícias

Pior que as más notícias era a ausência de notícias. O caso do soldado Norberto, sítio da Porta Nova, que desapareceu na guerra em Angola, é um destes exemplos. Como não foi encontrado o corpo, a espera de notícias pela família, principalmente pela mãe, Maria de Jesus, transformou-se numa dor angustiante.

Após o regresso dos colegas, a mãe do Norberto dirigia-se, de vez em quando, a casa do Ambrósio, meu vizinho, e de outros colegas para saber se tinham notícias do Norberto. A falta de cartas e de notícias do filho foi uma dramática dor que a mãe, Maria de Jesus, carregou com angústia toda a sua vida.