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Fact Check Madeira

Estarão os Açores à frente da Madeira no que respeita à gestão de espaços naturais?

O Fanal é um dos locais que suscitam maiores preocupações
O Fanal é um dos locais que suscitam maiores preocupações, fotos Rui Silva/Aspress

O tema de maior destaque da edição deste domingo, do DIÁRIO, é a definição, pelo IFCN, da capacidade de carga para o Fanal. São três mil visitas diárias as previstas, calculadas, ao que é afirmado, com base num estudo científico.

Independentemente disso, o tema suscitou muitas dezenas de comentários, nas várias redes sociais do DIÁRIO, de que destacamos o Facebook. Nesta rede, a esmagadora maioria dos comentadores considera o limite de 3.000 visitantes por dia absurdo, inviável e perigoso para a preservação do Fanal. O sentimento predominante é de indignação, descrença e acusação de incompetência política.

Existe, assim, uma rejeição total do limite de 3.000 visitantes/dia. A maioria considera o número um erro grave, um insulto à inteligência dos madeirenses e uma ameaça concreta à preservação da Laurissilva e do Fanal, vista por muitos como parte essencial da identidade natural da Madeira.

Entre os muitos comentários, há um que fala do que acontece com a Caldeira do Faial, nos Açores. É afirmado que existe um limite diário de visitantes de 35 pessoas e que devem de ser acompanhadas por guia. Será verdade isso e que os Açores estão à frente da Madeira na defesa dos espaços naturais?

O objectivo deste trabalho é verificar a veracidade do que é afirmado sobre as medidas de protecção da Caldeira do Faial, nos Açores e, se possível, tentar perceber se os açorianos vão à frente nas medidas de protecção ambiental, quando comparados com os madeirenses.

A verificação será feita com recurso a documentação oficial dos governos regionais dos dois arquipélagos e dos respectivos jornais oficias.

O documento-chave para perceber as regras de acesso à Caldeira do Faial é o respectivo regulamento de acesso, anexo à Portaria n.º 68/2018 de 21 de Junho de 2018, da Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo. Este deve de ser conjugado com Decreto Legislativo Regional 7/2019/A, de 27 de Março, que cria o Monumento Natural do Vulcão dos Capelinhos e procede à primeira alteração ao Decreto Legislativo Regional n.º 46/2008/A, de 7 de Novembro, que cria o Parque Natural da Ilha do Faial.

As principais regras de acesso ao interior da Caldeira do Faial são a exigência de autorização prévia do Parque Natural e só pode ser feita através de entidades registadas, acompanhadas por guias credenciados. Cada guia pode conduzir até 15 pessoas.

A regra central é a capacidade máxima de 40 visitantes por dia (ajustável em mais ou menos 25% consoante o estado do trilho e o clima).

As visitas decorrem apenas entre o nascer e o pôr-do-sol, com permanência limitada a 3 horas, sempre no trilho marcado.

Há uma taxa de 4 euros por visitante, excepto residentes.

É obrigatório usar vestuário e calçado limpos para evitar espécies invasoras.

O acesso pode ser suspenso por motivos de segurança, e incumprimentos podem gerar custos de resgate ou contraordenações.

O comentário deixado pelo leitor do DIÁRIO também referia um limite de 300 visitantes por dia no perímetro da Caldeira (PRC04 FAI – Caldeira), o que não conseguimos confirmar. Aliás, podemos afirmar com elevado grau de certeza que esse limite não existe.

A nossa pesquisa permitiu, igualmente, verificar que, nos Açores, há um conjunto relativamente ‘fechado’ de espaços naturais onde há acesso condicionado com definição explícita de capacidade de carga diária em diplomas oficiais.

Vejamos, em síntese, alguns casos.

Reserva Natural da Montanha do Pico (ilha do Pico): Trilho PRC4 PIC – Montanha (acesso à montanha) Capacidade máxima de carga: 320 visitantes por dia. Capacidade de referência em simultâneo: 160 visitantes; Acesso ao Pico Pequeno / Piquinho - 30 visitantes em simultâneo, com permanência máxima de 20 minutos.

Caldeira do Faial – Acesso ao interior (ilha do Faial): Capacidade máxima de carga diária: 40 visitantes por dia; Visita obrigatoriamente entre o nascer e o pôr-do-sol; Percurso tem de seguir o trilho assinalado; Permanência máxima na área protegida: 3 horas.

Vulcão dos Capelinhos (ilha do Faial): Acesso obrigatoriamente pelo trilho assinalado; Capacidade máxima de carga diária: 80 visitantes por dia; Capacidade de referência em simultâneo: 16 visitantes; Visitas apenas entre o nascer e o pôr-do-sol, com permanência máxima de 2 horas na área protegida.

Ilhéu de Vila Franca do Campo (ilha de São Miguel): Época balnear (1 de Junho a 14 de Outubro) 400 visitantes por dia; Máximo de 200 visitantes em simultâneo; Período de 15 de Outubro a 15 de Abril (visitas paisagísticas/interpretativas) 160 visitantes por dia; Máximo de 40 visitantes em simultâneo; Permanência na área protegida limitada a 1h30.

Ilhéu da Praia – (ilha Graciosa): Capacidade máxima de carga por dia: 20 visitantes por dia, no máximo 2 dias por semana, entre 1 de Julho e 15 de Novembro; 20 visitantes por dia, no máximo 5 dias por semana, entre 16 de Novembro e 15 de Abril; Visita sempre entre as 10 e as 16 horas; Permanência máxima de 1h30.

Na Madeira, as áreas com acesso condicionado e com número de visitas diárias estão basicamente nas Desertas e nas Selvagens.

Desertas: 2.500 visitantes por mês; Deserta Grande no máximo 250 pessoas em terra e máximo de 12 a pernoitar.

Selvagens: máximo de 500 visitantes por mês e máximo de 50 em simultâneo em terra.

O Plano de Ordenamento e Gestão do Maciço Montanhoso Central da Ilha da Madeira (POGMMC) inclui estudos bastante detalhados de capacidade de carga turística para trilhos no Maciço Montanhoso Central (Pico do Areeiro, Pico Ruivo, Achada do Teixeira, etc.).

Por exemplo: No Percurso Pico do Areeiro – Pico Ruivo – Achada do Teixeira (PR1 + ligação) estão calculadas 170 pessoas dia (a carga inicial calculada é muito é maior, mas há um conjunto de correcções que se traduzem neste número final).

Nas actividades marítimas também há capacidade de carga definida. No mar a Região está a caminhar para um modelo de limites diários de esforço turístico, embora focado em embarcações / viagens e não directamente em número de pessoas.

Como se constata, é verdade que os Açores têm mais locais com número de visitantes diários definidos, mas isso isoladamente não torna verdadeira a firmação de que estão à frente da Madeira na gestão de espaços naturais. Como também se viu, apesar da afirmação do leitor ter o sentido correcto, os números não o são. Assim e no geral, avaliamos as afirmações como imprecisas.

“À Caldeira do Faial só pode descer 35 pessoas por dia e têm de ser acompanhadas por guia” – M. Teixeira, comentário no Facebook do dnoticias.pt a notícia sobre o Fanal