O sonho que virou pesadelo
Durante décadas, ser classe média foi o grande sonho português. Representava o equilíbrio entre a pobreza e a riqueza, o símbolo de quem “venceu na vida”. Mas o que acontece quando esse sonho se transforma num pesadelo alimentado por dívidas, impostos crescentes e um custo de vida insustentável?
Hoje, a classe média portuguesa tornou-se um fantasma. Ganha o suficiente para aparentar estabilidade, mas vive sufocada. O estatuto de “remediado” tornou-se o novo normal: sobrevive-se, mas já não se vive.
Com a adesão ao euro, no início do milénio, muitos acreditaram que Portugal tinha finalmente alcançado a condição de país de classe média. Contudo, esse sonho foi breve. Entre 2010 e 2014, a crise financeira e as políticas de austeridade expuseram a fragilidade da economia e a vulnerabilidade das famílias. O aumento da carga fiscal, a redução dos salários e a precariedade generalizada deixaram cicatrizes profundas.
Mesmo com a posterior recuperação e o tão celebrado défice de 0,7% do PIB em 2017, o mais baixo em 45 anos, a prosperidade nunca chegou verdadeiramente às pessoas. O “milagre económico” revelou-se frágil, e a pandemia apenas confirmou o que já se suspeitava: o crescimento era superficial.
Em 2025, o cenário permanece sombrio. Os preços da alimentação subiram 34% em relação a 2020; as rendas aumentaram, em média, 43%, atingindo em algumas regiões picos de 76%. O poder de compra continua a encolher, e o custo de vida a subir.
O Orçamento de Estado para 2026 promete uma “luz ao fundo do túnel”, mas o reflexo parece mais o de uma miragem. O aumento do salário mínimo para 920 euros, mais 50 euros, é apresentado como uma vitória social, mas, na prática, pressiona as pequenas empresas e alimenta a inflação. As famílias de rendimentos mais baixos ganham algum alívio; já a classe média volta a ficar para trás.
Apesar do discurso oficial, os impostos não diminuem, apenas mudam de forma. A carga fiscal baixa 0,1% do PIB, mas, com o crescimento económico, o Estado arrecada mais. O Primeiro-Ministro garante que não há aumento de impostos, mas é uma meia verdade: os escalões do IRS sobem 3,5%, enquanto os salários crescem 4,6%, o que resulta em maior receita para o Estado. No IMT, os escalões foram atualizados apenas 2%, enquanto o preço das casas subiu mais de 10%. No ISP, o desconto foi revertido e as taxas ambientais aumentaram 4%. Em suma, o governo “finge aliviar”, mas continua a cobrar.
Entretanto, os mais ricos multiplicam patrimónios e os mais pobres beneficiam de apoios sociais. A classe média, por sua vez, permanece num limbo: não é pobre o suficiente para ser ajudada, nem rica o bastante para viver com conforto. É o único grupo que paga caro por tudo e quase nada recebe em troca.
Portugal tornou-se o país das ilusões. Acreditamos ter subido na vida, quando apenas aprendemos a sobreviver com menos. Ganhamos mais em números, mas vivemos pior. Se o dinheiro não chega ao fim do mês e o custo de vida aumenta todos os dias, não há progresso, há engano.
O sistema convenceu-nos de que estávamos a ascender, quando, na verdade, estamos a afundar. A classe média, outrora o motor da economia e o pilar da estabilidade social, está a desaparecer diante dos nossos olhos. E o mais alarmante é que quase ninguém parece perceber.
Zozimo Castro