Bullying: o silêncio que mata
O bullying nas escolas é o crime mais tolerado do país. Tão tolerado que já nem lhe chamam crime, chamam-lhe “brincadeira”, “coisas de miúdos”, “fases”. É essa normalização que alimenta o monstro. E o mais grave é que toda a gente sabe: professores, diretores, pais e ministério. Todos. Só que é mais cómodo calar do que agir.
Os professores dizem que não têm meios, que não podem estar em todo o lado. Os diretores escondem os casos para não mancharem a imagem da escola. Os pais dos agressores dizem que o filho é “impulsivo, mas bom rapaz”. E os pais das vítimas são aconselhados a “não fazer muito barulho, para o miúdo não ficar marcado”. No fim, o problema desaparece, do papel, claro. Da cabeça da criança, nunca.
O Estado, esse, trata o bullying como trata tudo: com campanhas. Uns cartazes, umas palestras, uns slogans com corações e mãos dadas, e está resolvido. Enquanto isso, há miúdos que vão para a escola como quem vai para o matadouro, a contar os minutos para o toque de saída.
O bullying não é apenas uma agressão entre alunos. É uma lição prática sobre poder, medo e impunidade. É a versão infantil do país que temos: quem tem força manda, quem denuncia é “queixinhas”, e quem devia impor regras prefere fingir que não viu.
Os professores são o primeiro muro, e muitos, por medo ou cansaço, deixam passar. Outros, pior ainda, riem-se e acham “normal”. Há docentes que fazem milagres, sim, mas um sistema onde o medo de perder autoridade é maior do que a vontade de proteger um aluno é um sistema doente.
Os pais, por sua vez, educam filhos que sabem bater mas não sabem responder por isso. Vivem obcecados em defender o nome da família, mesmo quando o nome já devia estar sujo. “O meu filho não faria isso.” Faz. E volta a fazer, porque ninguém o impede.
E depois há o Estado, que observa de longe e chama “problema social” ao que devia chamar falha moral. O bullying persiste porque a escola se tornou um espelho fiel do país: um lugar onde todos se demitem e o silêncio serve de currículo.
O trauma não é só da vítima. É coletivo. Crescemos a achar normal que a infância tenha medo, que a covardia se disfarce de prudência, e que a omissão seja um ato de gestão. Assim se educa uma geração que aprende cedo a regra de ouro da sociedade portuguesa: o importante não é fazer o certo, é não se meter em chatices.
António Rosa Santos