Chega-Madeira tinha de obedecer a Ventura?
A notícia do DIÁRIO, na edição impressa de segunda-feira, que revela o que foi decidido, por unanimidade, numa reunião da comissão política regional do Chega no final e Novembro, prova que a estrutura regional do partido decidiu, por unanimidade, não avançar com uma moção de censura ao Governo Regional, como pretendia o líder nacional, André Ventura.
No entanto, dias depois, o CH apresentou a moção que acabaria por derrubar o Executivo de Miguel Albuquerque.
Nos últimos dias, nos comentários às notícias e nas redes sociais, foram muitos os que afirmaram que Ventura impôs a sua vontade e avançou com a moção. A dúvida que se coloca é se terá poder para isso.
“Evidentemente que André Ventura tem toda a legitimidade de impor a ideologia do seu partido, ou afinal acham que isto é o quê, em Lisboa apregoa-se uma coisa e na Madeira faz-se o que se quer?” escrevia o leitor José Carvalho, no comentário a uma notícia sobre a situação no CH.
Mesmo antes de avaliar a legitimidade e competência para avançar com uma moção de censura ao Governo Regional, há uma questão interna do próprio partido que deve ser esclarecida.
Nos estatutos do Chega, no artigo 31.º, é abordada a situação das estruturas regionais do partido: “Atendendo ao regime constitucional específico da Região Autónoma da Madeira e da Região Autónoma dos Açores, a acção política do Chega será nestas regiões prosseguida através das denominadas Secções Regionais, que terão estatutos e regulamentos próprios”.
Ou seja, o estatutos nacionais, embora sem uma afirmação clara, parecem reconhecer a autonomia das estruturas do partido na Madeira e nos Açores. Uma autonomia que deveria ser garantida por estatutos regionais próprios.
Também parece claro que o partido reconhece a competência às secções regionais para definirem a sua orientação política.
Assim, não é correcto, como escreve o leitor José Carvalho, que André Ventura tenha “legitimidade” para “impor” orientações políticas à estrutura regional. Algo que até já foi comprovado em situações anteriores em que o grupo parlamentar do CH-Madeira não segui as orientações nacionais, como aconteceu na viabilização do programa do Governo Regional e do orçamento para 2024.
Em relação à apresentação da moção de censura, a situação é semelhante. O líder nacional pretendia que fosse apresentada uma moção e a estrutura regional, por unanimidade da sua comissão política – a única posição contrária seria de Francisco Gomes que não participou na reunião -, decidiu não avançar e até apresentou um conjunto extenso de argumentos para não fazer cair o Executivo do PSD.
Assim, se Miguel Castro e os outros deputados pretendessem contrariar a vontade de André Ventura apenas teriam de repetir o que já tinham feito, no início da legislatura, em relação ao programa do XV Governo Regional e ao ORAM2024.
Não foi o que aconteceu e a moção de censura avançou, poucos dias depois de ter sido considerada um erro pela comissão política.
E aqui surge outra questão: quem tem legitimidade para apresentar o diploma. A resposta é simples: apenas o grupo parlamentar na Assembleia Legislativa da Madeira.
O CH elegeu quatro deputados e apenas esses parlamentares têm o poder de apresentar proposta no parlamento. No caso de uma moção de censura esse poder ainda é mais restrito.
O artigo 199.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira é muito claro, no seu ponto 1: “Por iniciativa dos grupos parlamentares, pode a Assembleia Legislativa votar moções de censura ao Governo Regional sobre a execução do seu programa ou assunto relevante de interesse regional”.
Conclusão, apenas os grupos parlamentares podem avançar com moções de censura. E foi isso que aconteceu a 6 de Novembro de 2024. Miguel Castro, líder parlamentar, assinou a moção de censura que viria a ser aprovada, em Dezembro.
Parece evidente que, entre a reunião da comissão política e a entrega da moção terão havido pressões da estrutura nacional do partido, mas apenas isso. André Ventura não tinha qualquer possibilidade de forçar a apresentação da proposta, apenas poderia ameaçar os deputados com medidas disciplinares internas.
No extremo, os deputados do CH-Madeira que se recusassem a cumprir o desejo de André Ventura poderiam ver a confiança política retirada e ser expulsos do partido – uma decisão que competiria aos órgãos de jurisdição -, mas isso não teria qualquer efeito na moção de censura.
Mesmo expulsos do partido, os deputados continuariam no parlamento regional, uma vez que o mandato é pessoal e passariam à situação de independentes. O CH poderia ficar sem nenhum deputado na ALM ou, se Magna Costa se demarcasse dos outros três deputados, teria apenas um representante na Assembleia Legislativa.
Por tudo isto, não é verdade que André Ventura tivesse meios para obrigar a que fosse apresentada uma moção de censura ao Governo Regional. A moção foi da responsabilidade do grupo parlamentar e de Miguel Castro.