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O Bloco Central (dos interesses)

A democracia portuguesa de meia-idade recentemente comemorada, tem sido moldada essencialmente pelos partidos PS e PPD/PSD. A estes partidos devemos, a transição democrática e toda a edificação do clima de liberdade do país, pese embora, a abusiva titularidade da ideia romanceada de um abril esquerdista, que pouco faltou resvalar para um totalitarismo de esquerda.

O mesmo Bloco Central que nos reteve em democracia e garantiu o respeito pela separação de poderes como uma boa prática das democracias liberais ocidentais, quer em Portugal, se imiscuir no princípio consagrado da autonomia do Ministério Público (MP). E porquê esta avidez? Porque num espaço de pouco tempo, dois governos (o nacional e o da RAM), colapsaram por alegada corrupção no seio da governança portuguesa.

A perceção pública do fenómeno da corrupção em Portugal é alta, e está em linha com o relatório da organização Transparência Internacional, que afirma, que Portugal é um dos países da Europa com mais falhas na integridade política, e que os esforços anticorrupção estagnaram e até regrediram, não apenas no nosso país, como na maioria dos países europeus.

Só posso depreender que não só os mecanismos de combate e prevenção da corrupção são insuficientes, como também alguns agentes políticos de topo, são de qualidade questionável, e quando visados, rechaçam as suas responsabilidades, e atiram-nas para as deficiências do edifício judicial numa abjeta vitimização política, como se fossem seres inimputáveis e incorruptíveis, acima do escrutínio judicial.

Mas a pergunta mantém-se: porquê esta vontade de abalar o MP e a sua autonomia, quando a justiça belisca os pedestais dos altivos titulares da Nação, os políticos, e os chamados poderosos? Porquê se enfatiza o falso campeonato entre a magistratura do Ministério Público e a magistratura judicial? Independentemente das animosidades que existam entre uns e outros, a justiça percorre o seu caminho – lento demais, é verdade e, não raras vezes, com visões antagónicas, mas ninguém pode estar acima da lei. Para isso, já basta o excessivo privilégio da impunidade dos titulares políticos.

E por falar em magistraturas, o mais alto magistrado que é o Presidente da República, uma vez mais, não surpreendeu na habitual “deriva imbecil”, ao conjeturar o maquiavelismo da Procuradoria Geral da República, num caso que lhe respinga. Isso revela bem o quão está enfermo todo o nosso sistema político, por distintas razões. A justiça, por mais fragilidades que tenha, só ajuda a expor essa evidência.

Convocados que estamos, para novas eleições no final deste mês, o que constitui o segundo ato eleitoral antecipado em tão pouco tempo, pelas razões que se conhecem, onde temos candidatos arguidos e suspeitos, convém pensarmos, primeiro, se queremos ser cúmplices desta trama. A outra opção, é continuarmos a ser surpreendidos, e irremediavelmente nos penitenciarmos diante do espelho.