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Crónicas

Política Líquida

1. Um líquido é um estado da matéria caracterizado pela incapacidade de manter uma forma fixa, fluindo para se adaptar à forma do seu recipiente.

2. A política refere-se ao conjunto de atividades associadas com a governação e com a gestão de assuntos comuns, com a tomada de decisões em grupos ou entre indivíduos, e com a aplicação de poder e influência nas organizações. Inclui a formulação, promulgação e implementação de políticas públicas e leis, e abrange a atividade dos políticos e dos partidos, cujos objetivos incluem a obtenção e o exercício do poder, bem como a representação dos interesses e valores dos seus eleitores e/ou membros.

A política manifesta-se a vários níveis, desde governos locais e municipais até governos nacionais e internacionais, e envolve múltiplos aspetos, como a economia, a cultura, a educação, o ambiente e a defesa, entre outros. O seu estudo e prática requerem uma compreensão das teorias políticas, das leis, da ética, da história e das relações internacionais.

3. Finalmente, “modernidade líquida” é um conceito desenvolvido pelo sociólogo Zygmunt Bauman, onde a modernidade é caracterizada pela transitoriedade e pela fragilidade das relações sociais, instituições e valores humanos. Em contraste com a “modernidade sólida”, onde as estruturas sociais e as relações eram mais estáveis e previsíveis, a modernidade líquida é marcada por uma constante fluidez, onde nada é feito para durar e tudo pode mudar a qualquer momento.

Neste contexto, as relações pessoais, o emprego, as identidades e até mesmo as ideologias tornam-se flexíveis e descartáveis, adaptando-se às necessidades do momento, sem oferecer segurança ou estabilidade a longo prazo. Bauman argumenta que esta fluidez da modernidade afecta profundamente a forma como vivemos, pensamos e nos relacionamos, levando a uma sensação de incerteza e insegurança.

4. Não serei certamente o primeiro a fazê-lo, mas a “liquidez” de Bauman tem, cada vez mais a ver com a política.

Aplicando as ideias do sociólogo ao contexto político, a “política líquida” poderá referir-se a um ambiente onde as ideologias, alianças, e políticas são igualmente fluidas e sujeitas a mudanças rápidas. Neste cenário, as certezas políticas tradicionais desvanecem-se, os compromissos a longo prazo tornam-se raros, e as decisões políticas podem ser influenciadas por modismos, tecnologias emergentes e a volatilidade da opinião pública.

Na “política líquida”, os partidos políticos têm uma enorme dificuldade em manter uma base de apoio consistente, uma vez que os eleitores podem mudar as suas lealdades com facilidade e rapidez. A governança pode virar-se para políticas e legislações em constante adaptação às mudanças das circunstâncias e no humor social.

As identidades políticas são menos sobre princípios imutáveis e mais sobre conveniências momentâneas e alianças de ocasião. Os eleitores podem não se sentir fortemente ligados a um único partido político ou ideologia, mas escolhem apoiar diferentes movimentos ou candidatos com base em questões específicas ou circunstancialismos de momento. Os governos e as instituições políticas operam num ambiente de constante mudança, onde as políticas e a legislação têm de ser continuamente ajustadas. Isto leva a uma governança mais reactiva, focada em soluções de curto prazo para problemas imediatos, em vez de abordagens proactivas e planeadas para o futuro. A conjuntura prevalece sobre a estrutura.

As redes sociais e as plataformas digitais, desempenham um papel crucial nesta liquidez da política, influenciando a opinião pública e as campanhas eleitorais. A disseminação de informações e a mobilização ocorrem a uma velocidade sem precedentes, o que faz aumentar a disseminação de desinformação e a polarização. Os filtros e as câmaras de eco digitais aprofundam as divisões sociais e políticas, dificultando o estabelecimento de um terreno comum necessário para a decisão democrática.

A “política líquida” agrava a polarização. Esta fragmentação ameaça o tecido da coesão social e desafia a capacidade de alcançar compromissos. Abordar a polarização exige um esforço consciente para revitalizar espaços onde diferentes grupos sociais podem se encontrar, dialogar e trabalhar em direcção a objetivos compartilhados.

A liquidez política desafia os moldes tradicionais da democracia representativa, onde a estabilidade e a previsibilidade das instituições são valorizadas. A emergência de movimentos populistas e a demanda por formas diretas de participação política refletem o desejo dos cidadãos por uma maior agilidade e capacidade de resposta do sistema político.

Os sistemas políticos tradicionais tendem a lutar para manter a sua legitimidade e eficácia. A representação política enfrenta desafios significativos num ambiente onde as relações partidárias são fluidas e as exigências de participação directa crescem.

Temos de trabalhar a resiliência nas democracias contemporâneas, pedindo novas formas e práticas de governança que sejam adaptativas, inclusivas e transparentes. Tais inovações podem ajudar a recuperar os cidadãos para o processo político, reforçando a legitimidade das instituições democráticas e promovendo uma cultura de engajamento e responsabilidade cívica.

É importante e urgente que se coloque ênfase na educação para a cidadania. Cultivar consciência sobre os problemas, bem como desenvolver habilidades para a cooperação e o diálogo. Ao promover uma compreensão mais profunda das interdependências e dos valores democráticos, a educação para a cidadania pode desempenhar um papel crucial ao preparar os indivíduos para participarem de maneira eficaz e ética na “política líquida”.

A transição reflete as complexidades da vida na era digital e globalizada, oferecendo tanto desafios quanto oportunidades para a democracia. Ao reconhecer a fluidez das identidades, valores e políticas, e ao buscar formas inovadoras de engajamento e representação, podemos começar a esboçar um caminho para uma governança mais resiliente, inclusiva e responsiva, que esteja à altura das exigências do século XXI.

Projetar e implementar políticas que exigem compromisso e visão de longo prazo torna-se muito difícil num ambiente de “política líquida”. Questões complexas, como as mudanças climáticas, as desigualdades sociais e económicas, e a gestão de recursos, exigem abordagens estáveis e a longo prazo, que são difíceis de sustentar quando as prioridades políticas estão constantemente em movimento.

Se de um lado temos a quase exigência dos cidadãos em ver respostas fluídas a problemas líquidos, por outro temos verdadeiras impossibilidades de que a gestão das coisas se processe desse modo. As reacções fluídas adequam-se ao momento, mas perdem validade muito depressa, basta uma pequena variação nas circunstâncias.

5. E por cá, tudo na mesma. Os resultados das eleições não trouxeram nada de novo. Só vieram demonstrar o que escrevi a 19 de Outubro de 2020, quando falei do Síndrome da Madeira, que defini como uma enorme dependência, que a maioria de nós tem, sobre quem nos faz mal.

No PSD ficou tudo igual. Não mudou nada. E agora andam por aí a inventar tretas de que vão fazer acordos com A e B, e mandam recados pela imprensa, e fazem de conta, e no final acontecerá a vitimização de sempre, a ameaça externa e as porcarias do costume. Não há pachorra.

No PS não chegou o resultado miserável. Perderam vergonhosamente um deputado para o Chega. Repito: perderam um deputado para o Chega. Perderam quase 10 mil votos e, como “bons madeirenses” que são, lá vieram culpar os outros, porque assumir a fraqueza do resultado é coisa que a desculpabilização nunca permitirá.

Mas ao PS isto não foi suficiente, porque depois vieram os resultados dos círculos da emigração. Lembram-se de quem é o secretário de Estado com esse pelouro? Ah, pois é, o inenarrável Paulo Cafôfo, que deve ter feito um trabalho de excelência para conseguir que Augusto Santos Silva (também ele muito fraquinho) fosse o primeiro Presidente da Assembleia da República a não ser eleito, e que, com o mesmo brilhantismo, remeteu mais dois deputados para os braços do Chega, exactamente onde isso nunca poderia acontecer.

O Chega com três palavras, misturou impostos, tachos e corrupção, onde faltou sempre o “como”. Não se lhes reconhece uma ideia, um rumo, nada. Agradece-se a Deus e segue-se em frente.

Ao JPP, os tais do “puro-sangue madeirense”, seja isso lá o que for, mas cheira-me que ao mesmo do “povo superior”, faltou um bocadinho assim para o PS ficar sem mais um deputado. O efeito “danoninho”.

A Iniciativa Liberal continuou a fazer o seu caminho. Passo a passo, sabendo que corremos uma maratona e não uma corrida de 100 metros. O caminho é de subida calma e sustentada.