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A dignidade humana não se perde

“Uma imagem vale mais do que mil palavras” foi o que respondeu o Advogado do Dr. Ricardo Salgado quando questionado porque tinham optado por entrar pela porta principal do Tribunal em vez de terem entrado pela garagem do edifício como já tinham feito anteriormente. A imagem do Dr. Ricardo Salgado a ser conduzido pela mão aparentando não perceber onde o estavam a levar é muito forte e mostra o que pode ser a nossa situação quando envelhecermos. Numa sociedade que teima em não enfrentar o problema do envelhecimento com demência, onde os centenários ou quase centenários nos são apresentados nos meios de comunicação com todas as suas capacidades, a imagem do dito “dono disto tudo” deve-nos fazer parar e pensar: onde estão e como vivem todos aqueles que envelheceram com problemas de saúde mental?

O meu colega e professor de Economia, Ricardo Reis, no seu artigo de opinião no Expresso de 26 de janeiro de 2024 (Casaco para o Inverno) diz-nos que o vivermos mais anos é algo que devemos celebrar e que as implicações económicas de termos mais idosos não são graves; a gravidade vem de termos mais idosos com demência.

Este é o alerta que já tenho feito nesta minha rubrica de opinião. Para um idoso com demência ter uma vida com qualidade são necessários muitos recursos. Segundo o Ricardo Reis, e eu concordo com o número que ele apresenta, são necessárias três pessoas para cuidarem de um caso extremo de demência; o idoso precisa que lhe façam tudo ao longo de todo o dia. Não só este apoio tem de ser feito com empatia como também são necessários atenção, afeto, conversar com ele, transmitir-lhe segurança e toda a serenidade que necessita para se sentir bem e ter a tranquilidade que todos merecemos no inverno das nossas vidas.

Não vislumbro que no futuro próximo apareçam máquinas que consigam substituir os humanos neste acompanhamento por lhe faltar a capacidade de empatia e a garantia de afeto, por isso temos que pensar como ter recursos humanos para que os idosos, em particular, os com demência tenham qualidade de vida. Para os ter é necessário que a produtividade aumente noutros setores, libertando os recursos necessários.

Segundo Ricardo Reis, no Reino Unido quase quatro em cada cinco pessoas com mais de 80 anos tem algum grau de incapacidade sendo que a maioria sofre de algum grau de demência. Se os números forem semelhantes para Portugal estamos a falar de um número muito grande de idosos com problemas de saúde mental, número esse que aumenta à medida que o País vai envelhecendo cada vez mais.

Parece-me que a maioria das pessoas subestima o custo do envelhecimento e muitos comparam a realidade atual com a do início do século, como se atualmente não tivéssemos uma população muito mais envelhecida, o que leva a muito maior utilização dos serviços da saúde e de apoio. Acredito que não haverá melhoria dos serviços se não incorporarmos os custos do envelhecimento no planeamento para o futuro.

Não tenho soluções, mas tenho uma certeza que é a de se não falarmos e pensarmos sobre o assunto então é que as soluções não irão aparecer. As imagens podem não ser as mais agradáveis, mas todos temos o direito de aparecer … a dignidade humana não se perde, cabe a todos fazer com que não seja roubada aos idosos com demência.