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Análise

Abstenção, Cafôfo e a ‘doença’ dos madeirenses

É inaceitável que alguém se desloque ao hospital de madrugada para se queixar de uma tosse de três semanas

1. Daqui a um mês e meio vamos ser chamados às urnas, seis meses após termos ido votar para a Assembleia Legislativa da Madeira. Em Junho regressamos para as Europeias. Esperemos que a abstenção não seja novamente a grande vencedora de nenhum acto eleitoral, mas isso será quase um milagre, porque a população está fatigada e, pior, desacreditada da mensagem transmitida pelos partidos e seus líderes. Porque sistematicamente os que pertencem ao arco da governação prometem uma coisa e fazem outra, dando todos os trunfos para que os extremismos e populismos aumentem assustadoramente a sua influência na sociedade. Veja-se a situação em que o País está mergulhado. António Costa e o PS desbarataram uma maioria absoluta que não voltará a acontecer. O primeiro-ministro pôs-se a jeito para que este desfecho fosse inevitável. As contas certas não salvam o PS do juízo crítico e pelo facto de ter tido a ‘faca e o queijo na mão’ como há muito não acontecia. Que fará o PS com esta pesada herança, num País com graves assimetrias sociais e com a larguíssima malha da sua população a não ganhar para as despesas do dia-a-dia? Que fará o PSD, misturado numa aliança disforme e sem chama? É que a tão pouco tempo das eleições ainda não conseguimos apreender um conjunto completo de ideias novas da boca de Luís Montenegro. As sondagens, com todos os pontos de interrogação pelo meio, dão a resposta do eleitorado, que não é simpática para quem quer ser poder.

Na Região, e apesar do bom momento económico, dos recordes no turismo, da paz laboral existente na Saúde e na Educação, há uma série de problemas que subsistem e que precisam de solução efectiva, com a pobreza à cabeça. Veremos o que vão reservar os programas eleitorais sobre as autonomias e as necessidades das suas populações. Veremos que influência têm as estruturas regionais na imposição de uma agenda própria das regiões aos directórios nacionais dos partidos.

2. No passado fim-de-semana, os socialistas madeirenses entronizaram Paulo Cafôfo no congresso do PS-M, que decidiu ir a jogo já a 10 de Março. Não vai defrontar o líder do PSD-M, como devia e pode, se as coisas não lhe correrem de feição, comprometer a tal oportunidade de ouro para causar uma boa primeira impressão neste seu regresso à liderança. Isto é, vai desgastar-se numa luta em que vão estar em destaque os defeitos de um governo do qual ainda faz parte, o que é contraproducente e traiçoeiro. O cenário não lhe é favorável à partida, mas muito vai depender da campanha que opte por fazer junto do eleitorado, não esquecendo que do outro lado tem um adversário habituado a averbar vitórias robustas nas urnas. Cafôfo disputa uma eleição que o vai colocar em Lisboa durante grande parte do seu tempo. Ou o primeiro lugar da lista servirá apenas de ‘engodo’, para depois suspender o mandato, defraudando o eleitorado?

A “causa da sua vida” tem de ser travada dentro de portas. Os seus adversários directos estão na Madeira e não na Assembleia da República. Convém não esquecer o ano de 2019. Nos três actos eleitorais daquele ano, o PS-M não venceu nenhum, ao contrário do PS no País, que só averbou vitórias.

3. Do total de pessoas que recorrem ao Serviço de Urgência público, 30% não precisam de cuidados urgentes. A revelação feita pelo novo presidente do SESARAM, em entrevista ao DIÁRIO, revela não só a falta de literacia em Saúde por uma grande parte da população, como também de bom-senso. É inaceitável que haja alguém que se desloque ao hospital de madrugada para se queixar de uma tosse de três semanas ou por febre de um dia. O Serviço de Urgência está sobrecarregado especialmente de pessoas idosas que precisam de uma multiplicidade de cuidados e tem de priorizar os casos emergentes e urgentes. Não pode continuar a ser o espaço para uma consulta de rotina. Por mais impopular que seja, têm de ser tomadas decisões efectivas que devolvam aos centros de saúde os que não preenchem os critérios clínicos de urgência. A tal característica cultural de que fala Herberto Jesus, referindo-se aos madeirenses (“se não estou doente, vou ficar doente”), tem de ser contrariada porque, assim, não há sistema que aguente.