Análise

O desespero vale quantos votos?

É confrangedor ver a baixa política tentar por todos os meios insultar os eleitores

A campanha eleitoral faz-se de queixas e queixinhas que cresceram 67% face às últimas ‘Regionais’, por sinal, disputadas por mais forças políticas do que as 13 que se envolvem no processo em curso e, como se sabe, bem mais tensas e renhidas do que as de agora. Na altura, num ambiente bipolarizado, o foco predominante estava na luta entusiasmada pela vitória possível, sem margem para desvios e delírios. Agora, as atenções dos intervenientes diluem-se na manobras que, à vez, denotam pouca ambição na afirmação das alternativas, arrogância insustentada que tende para o insulto e o reles contentamento assente na lógica de perder por poucos.

Conforme revelou o DIÁRIO, as reclamações à CNE por violação do dever de “neutralidade e imparcialidade das entidades públicas” superam em muito o número registado no período de pré-campanha em 2019. Estamos perante um problema ancestral e um expediente a que recorrem os que procuram alguma notoriedade mediática que não alcançam de outra forma, o que indicia um lamentável défice de criatividade e também de percepção de inutilidade. Uma estranha e desesperada tentativa de afirmação política a que alguns adicionam abusivamente mecanismos previstos na lei, como os sistemáticos direitos de resposta, depois de já terem forçado sem sucesso a interferência de terceiros na liberdade editorial, a condenação sumária de quem tem como missão fazer opções soberanas e inegociáveis e a acusação sem provas. Atitudes deploráveis da baixa política a fazer lembrar a era de má memória, feita de fastidiosas notas oficiosas, de comícios em que eram decretados boicotes informativos e de escritos que ordenavam a perseguição dos críticos.

É confrangedor que uns e outros, da maioria à oposição, continuem a ridicularizar os eleitores de que tanto precisam, como se estes não tivessem vontade própria, inteligência e capacidade de discernimento. Como se não soubessem distinguir as inaugurações das procissões e as alegadas batotas eleitorais das reais capacidades governativas. Como se fossem facilmente influenciáveis e fizessem depender o voto da esferográfica, da jantarada, da flor, e dos brindes partilhados em tempo de campanha. Como se as provocações geradoras de vídeos virais decidissem eleições. Como se, mesmo depois de tanta desconsideração pública, todos fossem às urnas.

Os mesmos que pedem um intervalo na normalidade democrática para que todos sejam tratados por igual patrocinam mecanismos que criam desequilíbrios, também para fomentarem a desinformação crescente e sem rosto que lesa a democracia que sustenta financeiramente os seus caprichos e onde, com presunção, se exibem. Deixem-se de intolerâncias e trabalhem para convencer quem vota que são capazes de governar e de servir os cidadãos. O mundo não acaba no noite de 24 de Setembro. Aliás, para muitos, da direita à esquerda, vem aí um novo ciclo, seja ele de que espécie for. Mas tal como há quatro anos, há por agora demasiada gente anestesiada que se recusa a antecipar o pior dos cenários, como se já não vivêssemos em democracia.