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Aura Miguel afasta resignação do Papa nos tempos mais próximos

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Foto Leonardo Negrão / Global Imagens

A vaticanista portuguesa Aura Miguel, que já acompanhou 106 viagens papais enquanto jornalista, está convicta de que o Papa Francisco "não está a pensar resignar" nos tempos mais próximos.

"O Papa Francisco já disse que há um antes e um depois de Bento XVI, com esta grandeza que ele teve de lucidez de se ir embora, mas (...) acho que o próprio Papa Francisco acha que, para se ir embora, só mesmo se não tiver forças (...). Como o próprio médico dizia, é só no bilhete de identidade que tem 86 anos, porque, de cabeça e de vontade, tem 60. Portanto, eu acho que não vai, não vai resignar assim proximamente", diz Aura Miguel em entrevista à agência Lusa, a propósito da próxima Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

Segundo Aura Miguel, o Papa, como faz sempre quando lhe são feitas perguntas cujas respostas não quer desenvolver muito, já disse: "Eu ponho-me sempre perante Deus, mas, para já, [Deus] ainda não me deu nenhum sinal" no sentido da resignação.

Recuando a João Paulo II, e à sua debilidade física nos últimos anos do pontificado, Aura Miguel lembra que o papa polaco - que exortara a humanidade a "escancarar" as portas a Cristo -, tinha explicado que "todos os dias fixava os olhos em Jesus, que o tinha chamado para aquele cargo e que estava disponível a continuar até Ele desejar".

"Quem escancara as portas a Cristo e dá tudo, não tem nada a guardar para si, portanto, não preservou a imagem que tinha", sublinha a jornalista.

Com Bento XVI, aconteceu "exatamente o gesto oposto, também de grande liberdade, porque também largou tudo com discernimento e lucidez, percebeu que não tinha forças. Isso para mim é fascinante, porque os papas são completamente diferentes, mas têm esta coisa comum que é, quando dizem que sim, ficam mais livres", afirma Aura Miguel.

"O Papa Francisco é igual, também no seu jeito tem uma certa liberdade que é dada porque não tem nada a perder. Ele até já tinha tudo tratado para passar a velhice numa residência de sacerdotes na Argentina...", diz.

Com formação em Direito e o desejo de seguir a carreira diplomática, Aura Miguel enveredou pelo jornalismo e chegou à Rádio Renascença em 1985, para "fazer notícias de Igreja com linguagem normal".

"Como João Paulo II viajava muito e era um Papa muito inovador em muitas coisas, passado uns tempos enviaram-me para fazer a reportagem -- foi o meu batismo de Papa - no famoso encontro inter-religioso, a favor da paz no mundo, de jejum e oração pela paz no mundo, em que ele convidou representantes das 12 principais religiões" em Assis, recorda, acrescentando que, meses depois acompanhou o Papa à Polónia, "ainda no regime de Jaruzelski, ainda com o muro e com a influência soviética".

Depois disso, seguiram-se mais 104 viagens, a maioria a bordo do avião papal, com Aura Miguel a não conseguir escolher a da sua eleição.

"É sempre um entusiasmo. Claro, há umas que são mais normais e há outras que são em contextos mais complexos. Por exemplo, (...) marcou-me imenso, e já ando nisto há muitos anos, [a viagem] à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul, ou a que o Papa Francisco fez à República Centro-Africana, talvez essa tenha sido uma das mais impressionantes do pontificado. Não fui, infelizmente, à do Iraque por razões de saúde, mas houve outras viagens importantes, ao Líbano, por exemplo", afirma.

"Depois, há outras históricas, como a viagem do Papa a Cuba, com Fidel Castro, estar lá naquele momento em que eles se encontram e João Paulo II grita que é preciso que o mundo se abra a Cuba e Cuba se abra ao mundo", recorda.

Tendo convivido enquanto jornalista com três Papas, "todos diferentes", recorda a "grande atratividade humana" de João Paulo II, "divertido, praticava desporto e que inaugurou esta proximidade com as pessoas".

E foi com João Paulo II, que acompanhou em 51 viagens, que viveu um dos momentos mais importantes da sua carreira.

"O Papa em 2002, já muito mal, resolveu convidar 14 jornalistas para fazerem as reflexões da Via-Sacra do Coliseu na Sexta-feira Santa" e a Aura Miguel coube a reflexão sobre uma das estações.

E com Francisco, como é o ambiente a bordo do avião papal nas viagens apostólicas? "O Papa gosta muito de conviver, ele diz mesmo que se pudesse estava sempre no meio da rua a conviver, aliás, ele incentiva toda a gente a sair ao encontro de outros. Ele aproveita os voos para conviver connosco (...). Consoante o tempo dos voos e a dimensão do aparelho -- quando são voos intercontinentais é mais de uma hora que ele demora connosco -, ele vai caminhando pela coxia e fala com um a um sem pressa. Foi nesse contexto que eu consegui pedir-lhe uma entrevista em 2015 e o prefácio para agora. Dá tempo para falar com ele", diz Aura Miguel.

"Há muita gente que lhe leva coisas, há imensos gestos de ternura. Por exemplo, alguns combinam com os filhos, fazem pequenos vídeos e os filhos fazem uma dança e uma cançoneta para o Papa e ele vê, pacientemente, outros levam-lhe empanadas argentinas acabadas de fazer na véspera. Acontece de tudo, demora sempre imenso tempo", enfatiza.

Nos últimos tempos "com os problemas do joelho, encontraram outra modalidade, que é, ele senta-se à frente e nós [jornalistas] fazemos uma fila indiana - ainda é melhor para nós, porque assim ainda podemos estar ali mais um bocadinho a falar até o assistente dele dizer: pronto, já chega. Ele quer mesmo conhecer-nos".

Com muitos carimbos no passaporte, ainda há alguns países que Aura Miguel gostaria de visitar no âmbito de uma visita papal. Desde logo, a Argentina, país natal de Francisco e ao qual este não voltou desde que foi eleito. Mas, também, a Rússia e a China.

"Há muitos sítios onde gostava de ir. Por exemplo à China ou à Rússia. Desde que sou jornalista, à China ou à Rússia, fala-se constantemente que o Papa há de ir. João Paulo II tentou devolver pessoalmente o ícone de Kazan, que esteve aqui guardado, e levá-lo à Rússia. Nunca viu abertura. (...) Com a China, este Papa [Francisco] tentou um gesto de aproximação com o documento para permitir a nomeação de novos bispos, mas as coisas não estão a correr muito bem. Tem sido renovado esse acordo, mas enfim, do lado de Pequim não tem havido grande abertura para os católicos", afirma a vaticanista.