O São João do meu tempo

Naquela longínqua era, quando a noite caía naquela aldeia, havia um silêncio total, apenas quebrado pelo latir do cão, ou pelo sussurrar do vento quando soprava mais forte.

Batiam as trindades, rezavam-se as Avé-Marias e a noite caía. Se não havia luar, a escuridão ameaçava barrar os caminhos, então o melhor era recolher-se em casa, porque não havia outra luz a alumiar na rua, a não ser, uns velhos petromax no centro da aldeia. Isto, no início da década de cinquenta, século passado, na freguesia de Santana.

Aquela rotina do lusco-fusco, era quebrada na véspera do dia de São João, ao bater das trindades, quando simultaneamente se acendiam as fogueiras, espalhadas pelos diversos sítios, imediatamente a seguir, ao som da primeira badalada do sino.

Desde o cabeço até ao vale, aquele manto negro, que vestia a noite na aldeia, era salpicado pelo amarelo das fogueiras, que nem a púrpura de uma vestimenta de rainha, nas mais sublimes festas noturnas, teria maior brilho.

O silencio dava lugar a uma sadia algazarra ao saltar as fogueiras, que se ouvia de cabeço a cabeço.

Nós, a pequenada, pedíamos aos sapateiros, restos de borracha, que sobravam do fabrico das solas dos sapatos e fazíamos archotes, que depois, com eles acesos percorríamos aquelas veredas, dando assim movimento, aquele lindo cenário noturno.

Para além de marcar o acender das fogueiras, o toque das trindades nessa véspera de São João, também era aproveitado pelas moças para tirarem sortes, cujo resultado sairia na manhã seguinte, no dia do próprio Santo. Ambicionavam saber, o que lhes rezava o futuro (quase sempre sobre o aparecimento de um possível pretendente).

Mandava a tradição, que se enfeitasse as casas exteriormente no dia de São João. A minha mãe não fugia à regra, levantava-se cedo para apanhar uns alecrins e outros arbustos, que eram bentos naquele dia, desde que fossem apanhados antes do sol nascer, segundo rezava a tradição e, quando eu me levantava, já estava a casa enfeitada, para minha alegria, ato continuo, eu ia a correr, para ver os enfeites do fontanário mais perto. Estava sempre lindo. Nunca se sabia quem os enfeitava, porque estes eram enfeitados com flores roubadas, já que aquela noite também era de fazer partidas. Mais tarde quando adulto, eu também entrei no jogo. Dava um certo gozo, ver os vizinhos com caras de poucos amigos, irem buscar os seus cântaros, que ajudavam a enfeitar o fontanário.

O ponto forte deste dia, era reservado às Queimadas, onde havia uma grande festa popular e, a população, ladeiras acima de farnel aviado lá chegava, na ânsia de disfrutar de um dia diferente, onde se cantava e bailava ao som do machete e de outros instrumentos, que acompanhavam os animados despiques e não só, e assim se passava um dia longe da labuta diária do amanho das terras, tão dura que era naquela época.

José Miguel Alves