Fact Check Madeira

A Madeira não beneficiou dos Vistos Gold em idênticas condições que Lisboa desde o início do regime?

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Perante a decisão do Governo da República de extinção dos Vistos Gold em todo o território nacional, a deputada Sara Madruga da Costa (PSD) defendeu, na segunda-feira, na Assembleia da República, um período de vigência adicional daquele regime na Madeira e nos Açores de 9 anos, por entender que é a forma de compensar estas regiões autónomas, que não beneficiaram nas mesmas condições que as grandes cidades como Lisboa e Porto. "[Só com] um regime transitório pelo período de 9 anos [para as Regiões Autónomas] é que se consegue salvaguardar o princípio da igualdade entre estas regiões, que usufruíram deste modelo durante cerca de 1 ano e regiões como Lisboa e Porto, que tiveram cerca de 10 anos a beneficiar deste regime”, justificou a representante social-democrata. Terá razão?

O regime de autorização de residência para actividade de investimento, vulgo Vistos Gold, está em vigor desde o dia 8 de Outubro de 2012 (Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto) e aplicava-se a todo o território nacional, incluindo, pois, as ilhas.

Teoricamente, os estrangeiros que fizessem investimentos na Madeira nas condições previstas no diploma tinham direito a visto de residência no nosso país. Mas, na prática, nos primeiros anos do regime, o nosso arquipélago beneficiou de poucos ou nenhuns investimentos desta natureza. Em Setembro de 2014, em declarações ao DIÁRIO, o advogado Gonçalo Camelo reconhecia: “O sector imobiliário da Madeira está a ficar à margem desta nova vaga dos Vistos Gold que tem atraído sobretudo investidores chineses, árabes, europeus, fundos de capital de risco, entre outros. No continente, está a permitir aos promotores imobiliários saírem da crise onde estavam e não está a chegar cá à Madeira”. Na altura, o profissional da área jurídica apontava duas razões para o fenómeno: “Há uma falta de escala, ou seja, estes investidores procuram coisas muito grandes e muitas unidades e não há na Madeira, hoje em dia, muita oferta desse tipo. Apesar de se pensar que se construiu demais, a realidade é que estes investidores querem coisas muito grandes. E, por outro lado, não se vê um esforço conjunto dos promotores imobiliários a chegarem a estes canais e aos interlocutores certos”.

No entanto, a deputada Sara Madruga da Costa apontou outra explicação para o problema que carece de sustentação. Afirmou que o programa estava inoperacional nas regiões autónomas dado que os processos estavam centralizados no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em Lisboa, onde tinham de ser submetidos presencialmente. Segundo a argumentação da parlamentar social-democrata, esta limitação, decorrente da falta de capacidade por parte das delegações regionais do SEF, que não reuniam, nem a formação, nem o pessoal habilitado para dar seguimento aos pedidos de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI) impediu, de facto, o funcionamento do regime nas regiões autónomas até 2022.

Vejamos, em 20 de Setembro de 2016, a então directora do SEF na Madeira, Paula Azevedo Cristina, assumiu que já tinha tratado de Vistos Gold na Região, a maioria dos quais “para compra de imobiliário, como é tendência ao nível nacional”, e que a maioria dos investidores eram russos.

Em Julho de 2018, o secretário regional da Economia, Rui Barreto, fazia o seguinte balanço: entre 2012 e 2017 tinham sido investidos cerca de 25 milhões de euros no nosso arquipélago como resultado de 36 Vistos Gold. A inoperacionalidade do programa foi novamente desmentida pelo mesmo governante num novo balanço feito em Fevereiro de 2022, que apontava para uma aceleração: entre 2017 e 2021, a Madeira captou 60 milhões de euros em investimentos através dos Vistos Gold.

No início de 2022, este regime especial de autorização de residência para investimento foi alterado pelo Governo da República e veio circunscrevê-lo apenas às regiões autónomas e ao interior do país. Ficaram de fora as grandes cidades do país. Contudo, estas novas regras demoraram cerca de 12 meses a entrar em vigor. De Janeiro a Junho de 2022 (6 meses) a plataforma do SEF esteve inoperacional, bloqueando o funcionamento dos Vistos Gold nestas regiões. De Junho de 2022 a Abril de 2023 (1 ano e um mês), o regime funcionou mas com atrasos do SEF.

Em jeito de conclusão, não corresponde à verdade que a nossa região tenha usufruído do regime dos Vistos Gold apenas “durante cerca de 1 ano”. Quanto muito, as novas regras, que privilegiam a nossa região, os Açores e as áreas do interior do país, estiveram em vigor durante cerca de um ano. Agora, é um facto que os benefícios deste programa foram nulos ou imperceptíveis nos primeiros anos de vigência e que Lisboa e as outras grandes cidades do continente beneficiaram durante cerca de uma década de fortes investimentos imobiliários graças aos Vistos Gold.

"[Só com] um regime transitório pelo período de 9 anos [para as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores] é que se consegue salvaguardar o princípio da igualdade entre estas regiões que usufruíram deste modelo durante cerca de 1 ano e regiões como Lisboa e Porto, que tiveram cerca de 10 anos a beneficiar deste regime" – Sara Madruga da Costa, deputada do PSD na Assembleia da República