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Sánchez evitou hoje "agonia terrível do governo" durante meses

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Foto AFP

O primeiro-ministro de Espanha, o socialista Pedro Sánchez, antecipou hoje as legislativas nacionais para julho, numa decisão que surpreendeu o país e que, para os analistas, é uma tentativa de evitar uma "agonia terrível" do governo que lidera.

Sánchez anunciou hoje a dissolução do parlamento e a antecipação para 23 de julho das legislativas que estavam previstas para dezembro, decisão que justificou com a derrota do Partido Socialista (PSOE), com a vitória da direita e com o avanço da extrema-direita nas regionais e locais de domingo.

"Tenta evitar seis meses de agonia do Governo, seis meses de pressão insuportável do Partido Popular [PP, direita] a pedir eleições antecipadas. Perante a possibilidade de uma agonia terrível para o Governo, tem ele a iniciativa e convoca eleições", considerou em declarações à Lusa o professor de ciência política Oriol Bartomeus, da Universidade Autónoma de Barcelona.

Sánchez é primeiro-ministro desde 2018 e lidera desde o início de 2020 o primeiro governo de coligação espanhol, que junta o PSOE e a plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos, formada por partidos que chegaram divididos e em disputas públicas às eleições de domingo, acabando por ser também eles derrotados.

Com a antecipação das legislativas, Sánchez evita ainda meses de "negociação infrutuosa, labiríntica, horrível, extenuante" entre os partidos da Unidas Podemos e obriga-os a um entendimento em semanas, afirmou Oriol Bartomeus, numa opinião partilhada por Astrid Barrio, professora de ciência política na Universidade de Valência.

Para esta politóloga, esta foi "uma forma muito educada de tirar o Podemos" do governo e travar o desgaste que a coligação de extrema-esquerda estava a ser para os socialistas, por causa de uma agenda considerada radical para algumas filas do PSOE e devido às divisões públicas entre ministros.

Por outro lado, Sánchez fez coincidir a data da campanha e das legislativas antecipadas com a formação dos governos regionais saídos da votação de domingo, o que vai pôr sob foco as alianças que o Partido Popular (PP) terá de fazer com a extrema-direita do VOX para assumir o poder.

Será uma forma de tentar "mobilizar o eleitorado de esquerdas" evidenciando o perigo de a extrema-direita entrar num Governo nacional, considerou Astrid Barrio, também em declarações à Lusa.

"O que aconteceu ontem [domingo] foi basicamente que o PP comeu o Cidadãos [direita], o VOX manteve-se bastante bem, a esquerda à esquerda do PSOE foi para as eleições dividida e foi castigada por isso e o PSOE não conseguiu levantar o seu eleitorado. Tudo isto gerou o resultado de ontem", explicou Oriol Bartomeus.

O resultado foi, segundo Astrid Barrio, um "castigo bastante claro ao governo de coligação" do PSOE e da Unidas Podemos, sobretudo, por causa de um "excesso de política identitária de esquerda", relacionada com questões de identidade de género ou a tipificação dos crimes sexuais, que reduziu penas de centenas de condenados por violação.

Estas são políticas e iniciativas associadas à ala Unidas Podemos do governo e geraram críticas dentro de setores do próprio PSOE, tendo uma "dupla dimensão, desmobilizam os seus e mobilizam os outros", explicou a professora da Universidade de Valência.

Outra questão que pesou no "castigo" ao governo foi, defendeu a politóloga, a "agenda catalã", resultado de pactos de Sánchez no parlamento com independentistas e que culminaram com mudanças no Código Penal, no início deste ano, que acabaram ou suavizaram crimes que tinham levado à prisão ou de que estavam acusados protagonistas da tentativa de independência da Catalunha em 2017.

Mais uma vez, este tema gerava críticas e discordância em setores do próprio PSOE.

Durante a campanha eleitoral das regionais e locais de domingo, Sánchez tentou focar o debate nos resultados da economia espanhola, sem êxito.

"Os dados da economia são bons, mas há também a perceção de que as famílias têm dificuldades em chegar ao fim do mês, que há inflação, que sobem as hipotecas. As pessoas não perderam o trabalho, mas são mais pobres", explicou ainda Astrid Barrio.

A vitória do PP nas eleições de domingo acabou por ter uma dimensão pouco esperada, porque as sondagens previam bastante igualdade entre esquerda e direita e "no fim caiu tudo para o lado do PP", que "conseguiu um poder muito hegemónico, apesar de depender do VOX", ainda de acordo com a politóloga.

Igualmente ou mais surpreende foi a decisão de Sánchez de hoje de antecipar as legislativas nacionais, impondo um calendário apertado para a formação de listas e a preparação de nova campanha eleitoral.

A decisão foi surpreende, mas totalmente de acordo com o perfil do primeiro-ministro espanhol.

"Estamos habituados a que faça coisas bastante inverosímeis e costumam sair-lhe bem. É muito ousado e realmente esta decisão ajusta-se ao perfil e até se supera. Desta vez, superou-se, porque convocar hoje eleições para 23 de julho é realmente algo muito, muito insólito", afirmou Astrid Barrio.

Sánchez chegou pela primeira vez à liderança do governo sem passar por eleições, ao conseguir fazer aprovar no parlamento uma moção de censura a um executivo do PP.

Nunca outra moção de censura, antes ou depois, foi aprovada pelo parlamento de Espanha e Sánchez tornou-se primeiro-ministro em 2018 depois de o PSOE ter tido os piores resultados da sua história em eleições em 2015 e 2016.

Já no cargo, antecipou por diversas vezes eleições, até formar o governo de coligação com a Unidas Podemos que tomou posse no início de 2020 e que foi viabilizado, no parlamento, por partidos independentistas e nacionalistas bascos e catalães, entre outras forças de âmbito regional.

O primeiro governo de coligação de Espanha manteve-se até agora no poder, depois de ter gerido a pandemia de covid-19 e apesar das divisões por causa da ajuda militar à Ucrânia.